quarta-feira, 1 de setembro de 2004

O Valente e o Corno Manso
Depois de um ensurdecedor silêncio de Santana e Portas, as duas grandes figuras do Governo, sobre o barco das Women on Waves, o líder do PP e do executivo português falou finalmente.
Aconteceu em directo na televisão, numa conferência de imprensa no Largo do Caldas, com a bandeira portuguesa ternamente entrelaçada na do CDS/PP. Aí, em sua casa, Portas foi um valente, falando grosso e dando largas à sua veia autoritária e fascistóide, com a bandeira azul e amarela a lembrar-nos do que ali se tratava, da enésima afirmação do PP como cabeça do Governo.
É particularmente significativo que Paulo Portas, habitualmente mais agradado com a presença de marinheiros e submarinos de plástico, tenha feito a intervenção na sede do seu partido.
Santana vê, fica incomodado, mas não diz nada. Coligação oblige. Perante as câmaras, dá uma justificação esfarrapada de apoio à decisão de Portas, dizendo que o seu partido (o tal PPD/PSD) tem visões internas diferentes sobre a matéria de fundo em causa.
E Sampaio? O Ranger de Belém que, quando indigitou Santana, lembrou o controlo que faria sobre a actuação do executivo (apesar de ninguém ter acreditado)?
Sampaio foi, mais uma vez, o corno manso, o último a saber.
Recusa-se a pronunciar-se sobre a matéria, como se falar fosse crime (ou será que já é outra vez crime?).
Decide mandar um bitaite, lembrando que ninguém lhe perguntou nada sobre a utilização dos navios de guerra no controlo dos seis perigosos terroristas holandeses, apesar de ser, aparentemente, o comandante supremo das forças armadas.
Imagino que nem dormiu na noite anterior, a preparar essa venenosa farpa lançada ao Governo.
Voltando ao valente Portas.
Agora, fora da sua sede, já não é assim tão valente, servindo-se da maioria parlamentar como guarda-costas, vetando a sua presença em conferência de líderes para discutir a matéria.
Um último ponto, já muito dissecado mas que é importante referir, dada a sua pertinência.
As duas justificações, a saúde pública e a ordem pública.
Problema de saúde pública são as milhares de mulheres que sofrem na pele as consequências de um aborto mal sucedido, porque feito sem condições.
Quanto à ordem pública e ao respeito da lei nacional.
Um aborto praticado em águas internacionais, logo fora da jurisdição portuguesa, é exactamente a mesma coisa que um aborto praticado em Badajoz e em Londres. Mas não estou a ver os militares portugueses a controlar os portugueses que partem para esses destinos.
O Governo português precisa dessas clínicas, porque com o trabalho que fazem limitam o número de mulheres que recorrem a abortadeiras de vão de escada, e cujas consequências vão sobrecarregar o sistema nacional de saúde.
A hipocrisia atinge níveis que eu, já pessimista por natureza, nunca esperei.

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