O futuro não é brilhante
Sei que as eleições já lá vão, ainda por cima umas mini-autárquicas, ainda por cima intercalares, ainda por cima com 53 candidatos. Mas estive ausente e só agora posso escrever um pouco sobre o assunto, até porque, de facto, acho que há muitas lições a tirar dos últimos meses, no que toca à política nacional.
A primeira é que, no fundo, o tuga gosta de levar no focinho. Só assim se entende o resultado de António Costa que, naturalmente longe da maioria absoluta, foi um candidato que necessariamente representava, e representa, a face do Governo.
No que toca aos resultados, a única supresa, para mim, foi a votação de Carmona Rodrigues. E se, para tudo o resto, consigo encontrar algum sentido ou, pelo menos, alguma explicação, para isto não consigo. A minha teoria é que ele prometeu mundos e fundos a todos os trabalhadores da CML, que são para aí 15% da população da autarquia. Não sei.
Tirando isso, factos significativos apenas no facto de o PP finalmente ter desaparecido de vez do mapa e de o PNR ter ficado à frente do partido unipessoal de Manuel Monteiro.
Helena Roseta, que fez uma campanha digna, ficou um pouco aquém do esperado.
Depois de tudo isto, e reiterando a opinião de que há muitos pontos de contacto com a política nacional mais geral, alguns pontos há a salientar, até porque as ondas de choque sobre a direita (who the fuck is Negrão?!) ainda vão dar que falar.
A questão é: para onde vão os partidos nos próximos anos, e que representatividade vão conseguir ter nas próximas eleições. Olhemos então para esta especulativa bola de cristal.
O PS, lamento profundamente dizê-lo, terá nova maioria absoluta nas próximas legislativas. Dou isto por certo. O tuga gosta muito do centrão mas, pior ainda, dentro do tuga vive um fascistazinho muito mal disfarçado. Ou seja, centrão com tiques de pseudo-seriedade (arrogância basta) e prepotência, e o tuga está nas suas sete quintas.
Mais relevante ainda que este ADN nacional é a questão da ideologia, do campo ideológico. É com certas bandeiras que se faz o combate político, e é com esse combate (basicamente o que aparece nos jornais e, sobretudo, na televisão), que se convence o povo. O actual Governo é, só, o executivo mais liberal desde o 25 de Abril, o que inclui os tempos de Cavaco, Durão e Santana. Nunca se viu tamanho ataque ao Estado Social, aos serviços públicos e, até, à liberdade de imprensa, já para não falar do regresso do famigerado delito de opinião. Sendo assim, a principal vítima é, claramente, o PSD. Sendo um partido de centro-direita, está completamente sem espaço para atacar o Governo. Aliás, quando o faz, assiste-se à coisa fantástica de o atacar pela esquerda, com argumentos que o PS, ele próprio, utilizava, antes de se ter transformado nesta cambada de boys tecnocratas thirty-something. Creio que os críticos estão errados ao identificar Marques Mendes como o grande problema do PSD. O grande problema do PSD é o PS, o facto de, na prática, o seu campo de actuação ideológica ter sido completamente invadido, e até excedido, por este Governo. Qualquer outro líder teria o mesmo resultado. Seria menos ridículo, talvez, mas em termos de votos pouca diferença haveria. A dificuldade para o PSD está na forma de fazer o tal combate político. Como defende exactamente aquilo que o PS está a fazer (embora nunca tivesse a coragem de o fazer e seria trucidado se tentasse) não há argumentos. O ataque pela esquerda faz sentido teórico, mas não rende votos. Alguém que defenda uma política de esquerda para o Governo não vai, obviamente, votar PSD. Assim, perante este cenário, o PSD terá de procurar algum outro nicho, que no caso deste partido não poderá ser nunca tão nicho quanto isso, já que é um partido de massas que só existe para ganhar eleições e estar no poder (nunca soube fazer oposição, basta lembrar o que foi o agora aclamado Durão Borroso). Como tal, é de esperar, a seu tempo, alguma deriva para a direita, mas será sempre soft. O PSD não tem uma ideologia coerente (ou sequer incoerente), pelo que nunca se pode afastar do centrão.
Mais interessante, e apetitoso, é o destino do PP. Portas fez mal, muito mal, em voltar quando o fez e como fez. Sofre do mesmo síndroma que Santana Lopes, vive tão obcecado com a sua própria imagem e com o seu suposto brilhantismo intelectual, que se ilude a pensar que Portugal, desespera, sempre, de o ver voltar à ribalta. Se o PSD não tem espaço ideológico, com o PP já não é bem assim. Portas é inteligente, e neste momento precisa de um plano. Um dos problemas é que não há, a curto prazo, nenhuma bandeira ideológica que lhe possa servir para marcar uma posição: depois do aborto resta a constituição europeia e, mais tarde, a regionalização, mas não são temas sexy para o eleitorado. Assim, tenho poucas dúvidas de que Portas tentará uma manobra arrojada: chegar-se mais à direita e, encorajado pelo acolhimento dos radicais do PNR, começará a bater na tecla da segurança e da imigração. É apenas uma questão de tempo. É claro que não faz sentido falar em qualquer aproximação entre os dois partidos, isso seria o fim do PP. Mas a ideologia será aproveitada. De maneira mais suave, com todos os asteriscos de preocupação democrática e tolerância acima de tudo, mas irá acontecer. É uma jogada de risco, mas Portas começa a perceber que talvez não seja tão relevante como sempre se achou, e não terá paciência para ficar dez anos a fazer oposição num partido que só consegue definhar cada vez mais. Vai tentar esta estratégia, vai falhar, vai sair, e depois vai chegar-se ao PSD como independente. Levará anos, mas estou seguro de que será este o caminho.
À esquerda, o horizonte é animador. É claro que nunca chegarão ao poder e nada poderão fazer para travar as políticas ultraliberais do PS, mas têm a sua base militante completamente protegida. Ainda há muita gente de esquerda em Portugal, entre o quais eu me incluo. Com o PS como está, a eventual e ligeira fuga de votos não se dará para a direita, mas sim para a esquerda. Em termos de combate ideológico, há muito que o campo não era tão fértil para PC e BE, já que no poder está um executivo que faz tudo ao contrário do que estes partidos defendem.
É apenas um exercício, mas deixo aqui as apostas. PS mantém maioria absoluta, PC e BE ficam mais ou menos na mesma ou sobem um pouco, o PSD ficar-se-á pelos 20 e poucos por cento e o PP desaparece mais um pouco.
No que toca ao nosso país, o futuro não é brilhante.
PS: Mais uma palavra acerca de Helena Roseta. A história de ser independente é gira, mas talvez a sua saída do partido fizesse sentido há mais tempo, e não apenas quando foi rejeitada como cabeça de lista do PS para a CML. Depois, esta socialista que era do PSD, uma espécie de Zita Seabra ao contrário, apareceu esta semana num programa abjecto de seu nome "As tardes da Júlia". O que eu considero algo muito pouco "Maio de 68", mas enfim...
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