segunda-feira, 8 de março de 2010
Porque é que eu não ando na rua com uma t-shirt do Che?
Já tinha escrito sobre a El-Ché Cola mas a bela posta lá em baixo do meu arqui-rival cá do tasco deu-me vontade de escrever sobre a pessoa por detrás da El-Ché Cola. Por mais defeitos que Che Guevara tenha (e tinha bastantes), é preciso desde logo reconhecer que não se trata de um homem vulgar, que sempre pairou sobre si uma aura de transcendência que o elevou muito acima da pequena humanidade média onde eu confortavelmente me situo. Não digo que eu até não seja um gajo bem intencionado e que não esteja sinceramente indignado com as injustiças filhas da puta cometidas permanentemente nesta bola absurda que continua a girar sem parar. Digo apenas que expresso essa minha indignação de uma forma comodista e inconsequente, no ambiente acolhedor de um sofá, de um café ou de um blog, e exercendo o meu dever de voto de 4 em 4 anos com o mesmo espírito de rotina e de obrigação com que os jeovás têm relações sexuais às quintas-feiras. O Che, pelo contrário, expressou a sua indignação num combate total que o levou à morte, e que ele sempre soube que o levaria à morte (certa ocasião, numa reunião com o Allende, Che disse ao companheiro para não sairem os dois ao mesmo tempo, para que, se houvesse um atentado, só morresse um deles). Há uma segunda razão pela qual o Che não era um homem como os outros: nunca foi corrompido pelo poder. Ao contrário do triunfo dos porcos de muitos dos heróis da Sierra Maestra (Fidel, incluído), que rapidamente se aproveitaram dos imensos privilégios passíveis de ser aquiridos pelo poder político quase absoluto detidos por essa elite, Che manteve-se sempre impoluto e incorruptível, desprezando o dinheiro e as honrarias, nunca vendendo os seus ideais humanistas por nenhum prato de hipócritas regalias. Quantos de nós resistiriam ao extraordinário poder corruptor do exercício do poder absoluto? Além do mais, teve sempre a coragem de criticar abertamente a política externa da União Soviética.
Mas, apesar da profunda admiração que tenho pela autenticidade, coragem, humanismo e heroicidade do ícone, nunca andaria na rua com uma t-shirt do Che vestida.
Primeiro, porque era demasiado dogmático nas suas convicções, sendo completamente intolerante para quem pensasse de uma forma diferente (era bem gajo de me dar um murro nos cornos só por causa desta posta).
Segundo, porque tinha um pensamento político maquiavélico, considerando que os fins (alegadamente nobres) de uma revolução socialista justificavam os meios revolucinários mais draconianos. Só assim se explica que Che tenha um dia escrito que "se a única maneira de defender a revolução fosse através da execução dos seus inimigos, não seria sensível a argumentos políticos e humanitários". E não são só palavras (em Che, a correspondência entre as palavras e os actos é quase sempre total). Che foi o primeiro a mandar fuzilar todos os que tivessem alegadamente ligados aos crimes de Batista, em processos sumários inaceitáveis para quaisquer padrões mínimos de um Estado de Direito.
Terceiro, porque considerava ingenuamente que era possível mudar a natureza humana, construindo uma sociedade toda ela feita de santos revolucionários abnegados como ele. Daí que quando ele foi ministro cubano da economia e da indústria (e presidente do Banco de Cuba) substitui todos os incentivos económicos por incentivos morais, o que naturalmente se traduziu numa diminuição abrupta da produtividade e num aumento exponencial do absentismo. A pessoa média não é, nem nunca será, da mesma natureza de um ser absolutamente excepcional como foi o Che.
Quarto, era demasiado ortodoxo no seu marxismo, concretizando uma política económica completamente centralizada e estatizada (quando foi ministro em Cuba), que se revelou um enorme fracasso.
Mas, para mim, a principal razão pela qual não ando vestido com uma t-shirt do Che nem na Festa do Avante foi o facto do homem mais autêntico e humanista do século XX, que denunciou todas as hipocrisias e iniquidades do mundo (viessem elas de onde viessem), ter sempre se calado perante as mentiras e crimes políticos de Fidel Castro, já bem evidentes no tempo em que era vivo, e, como o Bastard muito bem denunciou na sua posta, cada vez mais intoleráveis.
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1 comentário:
Deixou, porém, um belo manual de guerrilha, embora eu siga mais a escola Mao Zedong quando tenho de ir ao Colombo em véspera de Natal para prendas de última hora.
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