segunda-feira, 8 de março de 2010

Se não tivesse havido o Che...

...as coisas teriam sido diferentes. Veríamos Fidel apenas como um barbado excêntrico, bom orador, e pouco mais. Outro ditador. Mas houve Che, e as t-shirts, e os livros, e aquele momento em que aprendemos sobre a revolução cubana e acreditámos, mesmo que por pouco tempo, que havíamos descoberto a verdade. A verdade de que havia algo lindo e poético, que valia a pena seguir.
Se não tivesse havido os EUA, e a amadora tentativa de invasão, e o absurdo bloqueio económico que é, tantos anos depois, o último símbolo de uma guerra já gelada. Sim, se não tivesse havido os EUA não teríamos de escolher lados, e como é óbvio, perante o panorama, Cuba seria sempre, mas sempre, o nosso lado. Se não houvesse os EUA, não teríamos de escolher, e Cuba seria uma outra coisa na nossa mente. Uma Guatemala. Uma Nicarágua. Qualquer coisa, mas não Cuba.
Se não houvesse Zapata, se não houvesse Bolívar, as coisas seriam diferentes. Cuba, Fidel, Che e Camilo não seriam continuadores de uma linha de revolucionários que, de uma forma ou de outra, não podia deixar de nos fascinar.
Se não houvesse Chavez, as coisas poderiam ser diferentes. Porque aí talvez, apenas talvez, nos pudéssemos esquecer que qualquer ditadura é uma má ditadura.
Se não houvesse Maradona, mergulhando para a piscina, entre as sessões de recuperação, gritando "Te Quiero, Cuba!", e "Te Quiero, Fidel", as coisas podiam ter sido diferentes. Deus é Deus, mesmo que da bola, e acreditaria em Maradona mesmo que me dissesse ter vindo de outro planeta (é óbvio que veio).
Se não houvesse Mano Negra e Manu Chao e a vontade que me dá de estar desse lado, sempre, haja o que houver.
Se não houvesse a multidão daquela gente que, mesmo na miséria, grita com a certeza de, pelo menos, ter conquistado o direito à sua dignidade, contra os donos do mundo e aquilo que todo o mundo diz ser o caminho.
Se não houvesse Vitor Jara, se não houvesse Silvio Rodriguez.
Se não houvesse Pinochet e as tiras da Mafaldinha.
Aí sim, tudo podia ter sido diferente.

Se não houvesse gente torturada, gente perseguida, gente morta. Gente a morrer porque quer falar.
Se não houvesse nada disso, talvez eu continuasse a ter, fundo no meu peito, o amor romântico que aquela ilha e o seu velho líder me inspira. E do qual me envergonho.

Mas houve tudo isso. Houve Kennedy, houve Camilo Cienfuegos, houve o Quino, houve Pinochet. Houve Fidel, o sempre lúcido Fidel. E houve Che, o fascinante, poético e frio Che.

E com tudo isto, o desgosto de aquele sonho lindo não ter sabido impedir-se de se transformar no que é. Não há nada pior que a traição de um sonho lindo.

E agora, não há maneira de as coisas serem diferentes.

2 comentários:

o homem do estupefacto amarelo disse...

Cessar-fogo temporário stop que grande posta, caralho stop final de cessar-fogo stop

professor x disse...

Caro Bastard, não sou pró-americano nem coisa que se pareça, mas se não houvessem os EUA agora estavamos a falar alemão e acabava o post com sieg heil. Sou o primeiro a criticar os EUA e os seua republicanos sinistros, mas se hoje em dia existem democracias na Europa devemos isso aos EUA e não à Russia ou ex-URSS.

P.S. Manu Chao é o maior!!!