quarta-feira, 17 de março de 2010
Zona N
Paulo Portas estava claramente perdido. Do pára-brisas do seu Jaguar só via caixas de fósforos gigantes onde moravam seres que ao longe lhe pareciam quase humanos. Zona N de Chelas, viu numa placa. Detestava gente pobre, sempre detestara. Odiava aquele repugnante hábito de tentarem disfarçar as suas bocas desdentadas com berrantes fatos de treino da Nike. Desprezava aquela repulsiva tendência de tentarem esconder as suas cabeças subescolarizadas com grotescos bonés da Adidas. Repugnava-lhe aquela indolência endémica e parasitária, apetecendo-lhe partir-lhes a coluna vertebral com as suas unhas como se faz com as pulgas. Na rua brincavam putos pequenos, para aí com 4 anos. Jogavam à bola. Paulo achou estranho as espantosas semelhanças que aqueles putos tinham com as crianças normais (um até lhe pareceu o seu sobrinho, de quem tanto gostava). Se se esquecesse por instantes das argolas que alguns tinham nas orelhas, dos rostos sujos, dos bonés de marca virados para trás, via naquelas caras bolachudas o mesmo aspecto engraçado e felpudo de urso de peluche que todas as crianças do mundo devem ter. Mas Paulo era uma pessoa racional. Sabia perfeitamente que aquelas crias aparentemente inocentes iriam crescer, tornando-se em machos adultos rudes, duros, boçais, ignorantes, violentos. Foi com dificuldade que conseguiu conter um vómito de bílis que insistia em lhe subir pelo esófago acima. Paulo não hesitou. As razões do Estado devem estar sempre em primeiro lugar. Carregou a fundo no pedal do acelerador e ouviu o estalar de pequenos ossinhos a quebrarem com o passar dos pneus grossos do Jaguar. Não teve remorsos. Tinha acabado de fazer mais pela prevenção da delinquência do que três décadas de inúteis programas de intervenção social.
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2 comentários:
O Louçã, com o seu VW Golf na quinta da marinha também não teria uma reacção muito diferente... E porventura daria um rude golpe na criminalidade de colarinho branco!
Ou então poderia ter sido o Miguel Portas a fazê-lo, descobrindo horrorizado que acabara de atropelar o irmão.
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