sábado, 8 de maio de 2010

Lamento

Fiz recentemente 32 anos, o que supostamente me dá alguma experiência, maturidade, etc.
Com o tempo, pelo menos no meu caso é assim, uma pessoa sofre, passa pelos traumas normais e pelas genuínas alegrias desta vida, e vai ficando mais tolerante. Perdoa o anormal que só faz merda no trânsito, não apenas porque não quer andar à porrada (e aqui é experiência) mas porque pensa que ele, provavelmente, é um frustrado infeliz que precisa de ser campeão na estrada para se realizar (e isto já é mais perto da sabedoria, ou coisa parecida).
Mas, ao mesmo tempo que alguns preconceitos desaparecem, outros nascem, e outros se fortalecem.
Por exemplo, não consigo deixar de ter medo ao ver um grupo de blacks à noite, embora nada tenha contra blacks, e isto é daqueles preconceitos que nos envergonham ligeiramente. Depois há os ciganos, em relação aos quais nunca tive qualquer tipo de preconceito (na minha zona não havia, creio, portanto não tinha opinião formada), e em relação aos quais tenho agora um verdadeiro preconceito, que considero bastante acertado (até agora confirmou-se sempre).
Adiante (esta parte era só para provocar o politicamente correcto gipsy-lover e genericamente-desgraçadinho-minoria-vítima da sociedade-lover do Amarelo).

Há um preconceito que me acompanha desde que me conheço, e que só fica mais forte.
É o preconceito de classe.
Ainda hoje, não consigo conhecer um gajo rico e gostar dele de imediato. É uma coisa de pele. Eu venho da classe média, que nos meus tempos de puto queria dizer que havia dinheiro para comer e pouco mais. Não havia cá férias no Algarve (começou depois a haver, com anos de intervalo), festas de finalistas em Lloret del merda ou coisas dessas. Mas nessa altura, com os meios que hoje em dia existem na classe baixa, aquilo era classe média e, na verdade, estava-se bastante bem. Havia o que era preciso, porque era preciso menos. E nós não achávamos que merecíamos ou que tínhamos o direito de exigir mais. Ponto.

Eu só gosto de um tipo de ricos, e só depois de os topar muito bem. Aqueles que fodem o dinheiro todo. Em bebida, em noitadas, em drogas, em putas. Eu se tivesse nascido rico seria assim. Irritam-me sobremaneira é os ricos que estão obcecados em continuar a ser ricos. Os que investem, os que criam empresas (e empregos, sim) , os que lambem as botas aos mais ricos ou bem relacionados que eles. Aqueles que vivem obcecados com o criar mais riqueza, sobretudo para si próprio. Eu se fosse rico, não investia um caralho, como é óbvio. Ia investir para quê? Para estar preocupado com a taxa de juro, com o negócio, com trinta merdas?
Não. Punha parte a render numa merda que não me desse trabalho e torrava a outra metade. Alegremente.
É como aqueles tótós que dizem que se ganhassem o Euromilhões não deixavam de trabalhar. Foda-se, essa gente devia ser abatida. Ou, no mínimo, impedida de ganhar. Saía o prémio e via-se: se 3 meses depois o vencedor continuasse a trabalhar, na mesma vida de merda que tinha antes, perdia o prémio. Acumulava, por exemplo.
E depois há a questão simples, com a velha teoria de que toda a riqueza (aliás, toda a propriedade, na sua formulação inicial) nasceu do roubo. Porque quando a gente cá chegou isto era de todos e não era de ninguém, portanto uns quantos espertos apropriaram-se desta merda toda. Mas enfim, isso é só um detail filosófico que não me comove muito.
Irritam-me os ricos, sobretudo aqueles que são ricos há gerações. Fazem caixinha, gerem, investem, deixam propriedades aos filhos, e assim sucessivamente.
E os outros que se fodam.

Mas, para além do preconceito de classe, há outro preconceito que se começou a insinuar em mim há uns anos e que não pára de crescer: o preconceito geracional.
A verdade é que, veja-se a coisa como se quiser, isto está tudo fodido.
Foi esta merda que nos deixaram.
Não há mais nada.
É isto.
As únicas coisas decentes que há neste país moribundo e condenado à irrelevância e, talvez, à própria extinção (intelectual, pelo menos), é o sol, a comida, a bebida e o Benfica. E tudo isso já cá tava.
Nada de jeito nos será deixado, que tenha sido criado pela geração dos nossos pais.
Nada. 
Rien.
A ponta de um corno.
Zerinho da silva.

Uns poucos fizeram a revolução, muitos se juntaram ao ver a vitória iminente. Passearam os seus belos bigodes por este país, sobretudo por esta cidade. Alguns foram consequentes e foram para as terras e para as fábricas, tentando fazer alguma coisa de relevante, para serem de seguida engolidos pela massa amorfa que constitui este povo. A maioria nem isso fez. Andou de bigodaça e punho erguido, meteu o cravito na lapela, e ala para algum gabinete. Ou para uma repartição, ou para um instituto. Para qualquer lado, onde houvesse tacho e fosse possível, finalmente, um tipo rapar o bigode e aburguesar-se à vontade. De facto, o Povo sempre cheirou um bocado mal, e não sabe comer à mesa.

E foram eles, essa geração, que pela sua acção ou pela sua omissão deixaram esta merda no estado em que está.

Um país medíocre, à deriva. A saque dos pequenos e dos grandes poderes, na mão dos empresários, patos-bravos e politicozecos que nunca leram a puta de um livro. Sem um plano, sem um modelo. Um único projecto: gamar o que houver no mais curto espaço de tempo possível. E quem vier atrás que apague a luz.

E quem vem atrás somos nós.
A geração dos mil euros, ou menos. Os qualificados mais inúteis da história deste país. Condenados a trabalhar por uma malga de sopa, e ser maltratados pelos filhos da puta incompetentes que estão acima, com dinheiro ou poder herdados dos papás e dos trisavós.

Essa geração, a dos nossos pais e a que veio imediatamente a seguir (a dos soares e sócrates, se quiserem), não tem legitimidade. É um aborto mal feito. É um cancro que come, come, come. Come-nos a nós.

E a verdade, temo-o, é que também não será a nossa geração a fazer a diferença. É por isso que não há coisa que mais me irrite do que ver tipos da minha idade, e até mais novos, a repetir todos os tiques novo-riquistas das gerações anteriores. Um modelo de sucesso assente no plasma, no belo carro, na mulher loura. No fato e gravata, na obtusidade, na falta de cultura, na perseguição sanguinária de poder, dinheiro e influência. Impotentes, borra-botas, filhos de uma grande puta.

Também nós iremos falhar. Porque, sem nos apercebermos, estão já escolhidos e encaminhados aqueles que, de entre nós, ocuparão os lugares de liderança no futuro. E não são pessoas sãs, cultas, sérias e preocupadas. São apenas cópias do pior que veio antes.

Qual é a resposta para isto? Seria lutar, é certo, mas também eu sou demasiado fraco para isso. Só resta a alienação. Prefiro vingar-me no alcool, no prazer, na alegria, na alienação. Porque não sou capaz, sóbrio e consciente, de ver este país de merda como ele de facto é.

Sai mais uma rodada, meus camaradas.

2 comentários:

funafunanga disse...

Que desalento, primo!
Se fosse rico não fazia nenhum. O juro de 1 milhão numa conta a prazo (várias, pronto, para ter protecção do fundo de garantia do banco de Portugal) já me dava bem para viver. Investir? Só em arte. Até à frente da cagadeira haveria um Picasso para me inspirar. Ou um Dalí (não sou esquisito).

Em todo o caso, isso nunca vai acontecer. Nem isso nem andar em beberetes de braço dado com o Lello (da-se!) e com as elites, naqueles debates e conferências e merdas que mais não são do que círculos de punheta em grupo para o ego donde nunca sai nada verdadeiramente inovador.

Em compensação, tenho um trabalho que até não é nada mau, uma vida bastante decente, sem luxos, e a imensa honra - que por vezes me envaidece e me faz desprezar outras pessoas, admito-o - de a minha lingua nunca ter tocado o rego do cu de ninguém com poder.

Gozar o sol e ser cínico (no sentido clássico do termo - próximo de 'estar-se a cagar para isso tudo') é a única forma de ser feliz neste país, que nem é um país civilizado do norte, nem um paraíso tropical, pictoresco e caótico. É qualquer coisa in between.

Tem um bom fim de semana. Vemo-nos no marquês no domingo ou quê? (não consegui bilhetes para o jogo)

Little Bastard disse...

Camarada, eu estarei no estádio (abençoado Red Pass). Depois, ou Marquês ou atiro-me da ponte...