terça-feira, 1 de junho de 2010

Anarquismo, Take 2


Por mais igualitária que seja a utopia marxista-leninista em termos da distribuição dos rendimentos, o poder político continua a não ser distribuído igualmente por todos. Com a defesa de um Estado todo poderoso que tudo controla, ancorado num partido político que supostamente representa os interesses do povo (mesmo aqueles que o povo ainda desconhece ter), partido esse que por sua vez é guiado pela pequena minoria de iluminados que formam a sua vanguarda (os únicos imunes à alienação, os únicos que detêm a total consciência de classe), novas subjugações são geradas: a dos cidadãos que têm que se vergar perante o poder absoluto do Estado e do partido único que o controla, a dos os militantes do partido único que têm que se vergar perante o poder absoluto do Comité Central. A aristocracia do dinheiro é, portanto, substituída por uma aristocracia do poder político. Não é por acaso que em todas as formas de socialismo real conhecidas tenha havido sempre uma elite política e militar que detinha enormes privilégios sobre os demais. A essa nova diferenciação Orwell chamou "triunfo dos porcos" e a sua fórmula bem conhecida: "todos são iguais mas alguns são mais iguais do que outros".

A virtude do anarquismo está em querer distribuir também o poder político da forma mais igualitária possível. O Estado deve ser abolido porque concentra demasiado poder político nas mãos de poucos. Toda a forma de autoridade deve ser abolida porque quem manda tem mais poder do que quem obedece. Toda a forma de representação política deve ser abolida ("viva a acção directa") porque os representantes têm sempre mais poder do que os representados. A democracia no seu estado mais puro chama-se "anarquismo": uma sociedade de homens totalmente livres e iguais que decidem directamente, sem qualquer mediação e autoridade acima deles, o seu destino.

Mas se o anarquismo é a mais bela das utopias, é também a mais utópica delas todas. Uma sociedade justa sem qualquer Estado baseia-se na permissa que as pessoas, libertas do efeito corruptor da autoridade, nomeadamente dos seus sistemas repressivos de educação ("we don't need no education, we don't need no thought control"), serão justas e bem intencionadas. Essa permissa é no máximo falsa e no mínimo arriscada. Como ninguém sabe como é que seria essa sociedade radicalmente nova, é prudente considerar sempre a hipótese do egoísmo persistir. Uma ideologia que não contemple nenhum mecanismo que defenda os mais fracos de eventuais abusos dos mais fortes (uma vez que se opõe ao Estado, às leis, aos tribunais e à polícia), abre sempre a porta para se instituir uma nova tirania. A única forma de nos opormos à violência arbitrária do Estado é distribuir os seus poderes, criar contra-poderes, obrigá-lo à transparência e escrutiná-lo permanentemente. Mas a única forma realista de nos opormos à violência arbitrária dos mais fortes é conferir ao Estado o monopólio da violência legítima.

2 comentários:

funafunanga disse...

A natureza humana é competitiva. Melhor: a natureza é competitiva, ponto. Debaixo do mais elaborado discurso político, da reunião de yuppies engravatados num conselho de administração, dos gajos que decidem se se vai estoirar com o Irão ou gasear a Coreia do Norte, sempre um e só um objectivo instintivo e primordial: comer as melhores fêmeas e ser o primeiro a molhar o focinho na carcaça ensanguentada da presa.

Se alguém alguma vez assistiu a uma discussão entre anarco-sindicalistas e bukuninianos ou entre trotskistas e eco-marxistas new age sabe do que falo.

. disse...

referes-te a reuniões do bloco? :D