quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Disco da Minha Vida X

Meus senhores, agora estamos em território sagrado. São tipos como estes que fazem poias fumegantes como DZRT, U2 (sim, sim, caralho!) e Miley Cyrus serem proibidos de se intitularem músicos, sob pena de serem atirados de um penhasco realmente alto.
O Tom Waits é um tipo tão fascinante, tão bizarro e tão talentoso, que não vou sequer perder tempo a falar dele, dedicando-me à sua obra. Para um tipo que sempre fez o que lhe deu na gana, e que anda a fazer discos desde os anos 60, é muito complicado escolher o seu melhor disco. E eu nem estou a tentar, este é apenas o meu preferido.

"One from the heart", de 1982 (deixo a capa original e a da reedição). A banda sonora do filme absolutamente fabuloso de Coppola. O filme é uma fantasia romântica e dramática de duas pessoas que se amam mas que falharam absolutamente nesse seu amor. O cenário (é mesmo cenário, e é lindo) é Las Vegas, terra da sorte e do azar. E o casal brinca com a sorte e com o azar. Chega a um ponto em que, com a vidinha sem sair do mesmo sítio, se apercebem que já não se suportam. Ela sai de casa e enamora-se do Raoul Julia. Ele descobre uma Nastassja Kinski ninfeta, absolutamente irresistível. E, apesar de toda a emoção de novos encontros, e até de uma nova vida, não desaparece a nostalgia do que se deixou para trás. É um filme sobre desagregação, de como por vezes é impossível não deixar estragar algo que muito se estima.
E, por cima de tudo, a música de Tom Waits. Esta é a banda sonora mais banda sonora que existe. Ou seja, não é música 'inspired by', mas também não cai no extremo oposto, que é o ridículo do musical, em que as personagens desatam a cantar a meio das cenas. Ao invés, a música aparece no filme, e vai contando a história, dando atmosfera, descrevendo, cavando a depressão e a esperança das personagens.
Neste disco, Waits partilha o foco com Crystal Gayle, cuja é voz é tão cristalina como a de Waits é gravilha e wisky. E é essa mistura que funciona, a voz cansada dele, lamentando-se do mundo e gozando com a sua própria desgraça, e ela sofrendo também, sensual, a ameaçar tudo o que fará se ele continuar a não a tratar como ela merece. É um disco absolutamente conceptual, coerente, completo. Mas é, sobretudo, um disco muito, muito bonito, de um tipo que não faz "discos bonitos".
Este é provavelmente o disco mais comercial de Waits. É o disco que dá para mostrar às namoradas que dizem que não gostam de Tom Waits, e fazê-las mudar de opinião. Não é tão genial como "Mule Variations", por exemplo, nem tão carismático como o velhinho e histórico "Nighthawks at the diner". E para um gajo armado ao alternativo como eu, não é fácil destacar este bonito "One from the Heart". Mas a sua beleza jazzy, triste, melancólica e enternecedora dá cabo de qualquer coração empedernido, mesmo de um melómano com a mania que é diferente.

Já agora, quem não viu o filme faça um favor a si mesmo. É mesmo uma coisa do outro mundo.

Tom Waits, the man. Com um dos discos da minha vida.

Sem comentários: