quinta-feira, 24 de junho de 2010
Os fios do Boneco Sócrates
A diferença fundamental que existe entre o Sócrates e o seu boneco da Contra-informação é que enquanto o último boneco é manobrado pelo pessoal das Produções Fictícias, o primeiro boneco é manobrado pelo pessoal de Bruxelas. Neste sentido, se perguntarmos se o plano de austeridade do Sócrates é economicamente estúpido, a resposta terá que ser: claro que é mas o plano não é do Sócrates. Sócrates pode ser muito corajoso em enfrentar o lobby dos indigentes (agravando, por exemplo, os impostos sobre os bens essenciais), só que quando toca a enfrentar o directório europeu e os poderosos interesses financeiros que representa, desaparece-lhe, sabe-se lá porquê, a sua intrépida valentia. Para analisar correctamente o problema da dívida portuguesa (e a política de austeridade que se lhe seguiu), deixemos então de fingir que o boneco Sócrates se consegue mexer sozinho e concentremos toda a atenção sobre os fios europeus que o manobram, especialmente desde que Portugal aderiu à moeda única.
1- A nossa situação económica agravou-se desde 2002, tendo as taxas de emprego e de crescimento económico caído drasticamente. O euro é uma moeda demasiado forte em relação à nossa produtividade, dificultando as exportações e diminuindo a nossa competitividade.
2- Antes da adesão, o governo português possuía diversos instrumentos macroeconómicos para fomentar a estabilidade e o crescimento na nossa economia (alterações na taxa de câmbio, na taxa de juro e no controlo da quantidade de moeda em circulação) enquanto agora quase toda a política macroeconómica é definida pelo Banco Central Europeu, que não tem qualquer mandato em relação à promoção do crescimento e do emprego, tendo como única prerrogativa o controlo da inflação. Percebe-se porquê. O pleno emprego e a inflação são os dois principais inimigos dos grandes empresários. O primeiro porque fortalece o poder de reivindicação dos trabalhadores (daí a importância de ser mantida uma reserva permanente de desempregados que pressionem os salários dos trabalhadores para baixo) e o segundo porque desvaloriza o capital acumulado. Num dilema entre os interesses do capital financeiro europeu e o direito ao trabalho, a Europa liberal não pensa duas vezes.
3- Mesmo o único instrumento macroeconómico relevante ainda nas mãos do governo português (a política orçamental) é severamente condicionado pelo PEC e sua interdição de défices superiores a 3% do PIB. Tendo a crise do Subprime provocado um défice muito superior ao patamar definido pelo PEC (não pelo aumento das despesas mas sobretudo pela diminuição de receitas), Bruxelas exige agora um plano de austeridade draconiano que faça repor rapidamente o défice abaixo dos 3%. Em rigor, Sócrates não tem grande responsabilidade - é apenas a dócil marioneta. Seja como for, o governo fica impedido de recorrer a políticas expansionistas de combate à crise, promovidas por défices temporários destinados a promover o crescimento. Percebemos agora porque é que o plano de austeridade do boneco Sócrates é economicamente estúpido. Em Portugal, bem como em toda a Europa, a crise não é, como os liberais apregoam, fruto da rigidez no mercado de trabalho. Nunca como hoje o mercado europeu de trabalho foi tão flexível (que sempre foi um eufemismo hipócrita para precariedade e exploração) e nunca como hoje o desemprego foi tão massivo e o crescimento tão anémico. A crise europeia é, isso sim, resultado da falta de procura agregada. Responder a esta crise de procura com aumentos de impostos, estagnação salarial e cortes nas despesas do Estado é diminuir ainda mais a procura agregada. Tradução: o desemprego massivo vai persistir.
4- A união monetária existente não é acompanhada pela necessária coesão e entreajuda entre os diversos estados que a compõem. Com efeito, as fortes economias do Norte (nomeadamente a Alemanha) não estão dispostas a qualquer solidariedade com as frágeis economias do sul, mesmo que para isso prejudiquem a sua própria classe trabalhadora. Desta forma, a Alemanha tem promovido a competitividade das suas exportações à custa da contenção salarial (os aumentos salariais são sempre mantidos muito abaixo dos aumentos da produtividade), criando um enorme excedente comercial (exportando muito mais do que importa). No entanto, como a soma de todas as balanças comerciais do mundo têm que dar zero, para uns países terem superavit comercial, significa que outros países têm necessariamente de sofrer défices comerciais. É precisamente isso que acontece no contexto europeu: o excedente francês e alemão é feito à custa do défice português e grego. Esse défice é, por sua vez, financiado pelos bancos alemães e franceses. Quem fica a ganhar são os capitalistas alemães, que arrecadam primeiro o dinheiro que não é distribuído sobre as suas classes trabalhadoras e que arrecadam depois os juros dos empréstimos aos Estados periféricos da Europa (Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia). Quem fica a perder? Os Estados periféricos, as classes trabalhadoras de toda a Europa e, a longo prazo, a sustentabilidade do próprio projecto europeu. Tudo o resto é Contra-Informação.
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2 comentários:
Um belo resumo da tragédia.
Quem teve a ideia do PEC foi um ministro das finanças alemão (um tal de Theo Waigel). Qualquer relação entre este facto e o exposto no post é pura coincidência.
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