terça-feira, 26 de outubro de 2010

O paradoxo presidencial

Há um paradoxo à volta destas eleições presidenciais: Alegre só daria um bom presidente se o PS, partido a que pertence, não estivesse no poder.
Eu explico, apesar de ser bastante simples.
Alegre é um lírico, numa altura em que falta lirismo na política. O problema dele não é esse: é ser um cobarde e um hipócrita. E não há pessoa menos lírica e mais realpolitik do que Sócrates, que era capaz de vender a sua própria mãe para impingir uns Magalhães de exportação.
Alegre fala contra "os poderosos da Europa" e contra os "especuladores internacionais". Sócrates age como um lacaio de Merkel e da Goldman Sachs.
Há, obviamente, um fosso total entre as ideologias políticas de Alegre e Sócrates. O que me faria claramente votar em Alegre, se ele fosse consequente ou mais do que um "idiota útil". Vai ser muito curioso ver a campanha de Alegre. Ver os discursos - em que veremos Louçã a aplaudir ferverosamente se ele soltar a sua verve esquerdista, e com os jornalistas a perguntar a Sócrates se ele se sente atingido pelos recados de Alegre - , e ver como Louçã e Sócrates, e como os jovens membros das máquinas partidárias de BE e PS, se vão dar. Promete ser delicioso, não fosse a aura de fim de festa que, inevitavelmente, vai invadir essa mesma campanha.

Alegre tentou, há uns meses atrás, quando anunciou a sua candidatura, fazer de Cavaco um perigoso beligerante. Dizia ele que "o actual presidente tem de entender que o papel do presidente não é governar, nem ser contra-poder". Ora o que acontece é que se há crítica que se pode fazer a Cavaco é que ele não fez nada, rien, a ponta de um corno, durante o seu mandato. Não foi contra-poder. Deixou Sócrates governar como bem entendeu. Mais, suportou de Sócrates todas as tropelias do próprio e da sua incrível entourage xuxa. Foi tolerante e institucional para além de todo o bom-senso. Escondeu-se. E Alegre ficou sem argumento, até por grande incompetência própria.
Depois, Alegre ultimamente tem falado pouco. Porquê? Porque ao falar agora, e ser consequente com as suas opiniões (coisa que nunca foi), teria de se colocar contra Sócrates e este OE absolutamente assassino, num momento em que o PS e o Governo estão frágeis, pelo que qualquer discordância pública seria vista como uma facada nas costas, sobretudo num partido tão sensível à crítica.
A verdade é que, das poucas vezes que tem falado, - e procurando acentuar o seu lado esquerdista - diz sempre que "se eu fosse presidente, não permitiria isto, não permitiria aquilo, o grande capital, etc, etc". A verdade é que, se ele fosse eleito e fizesse metade do que promete, seria um pesadelo para Sócrates. A ideologia deste último é, claro, liberal, e muito mais próxima da de Cavaco do que da de Alegre.
A verdade é que, se Sócrates fez tudo o que bem lhe apeteceu com Cavaco na presidência, para que raio quereria Alegre lá? Resposta: não quer. Nem pintado. Era só a pior coisa que lhe podia acontecer, a seguir ao Diogo Infante decidir emigrar.
Alegre, neste seu estilo pseudo-a mim ninguém me cala e pseudo-interventivo, só seria útil numa circunstância: se o PSD estivesse no Governo.
É este o paradoxo: Sócrates apoia um candidato que só lhe seria útil se ele próprio não estivesse no poder. E apoia Alegre quando, em termos ideológicos, é puro laranja e cavaquista.

É claro que Alegre, se fosse eleito, não iria realmente incomodar Sócrates. Ia meter a viola no saco, como tem feito ao longo dos últimos 10 anos no PS. Mas seria um filão a explorar, depois de se armar em esquerdalho e forte, sabendo todos nós o que teve ele de prometer a Sócrates para ter o seu apoio.

Posto isto, continuo sem saber em quem votar. E o cabrão do Vieira que não consegue as assinaturas...

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