Anda pela Sic Radical um programa de humor chamado "Gente da Minha Terra", da autoria deste tipo aqui ao lado, que parece que tem a barba desenhada a caneta de feltro. O rapaz chama-se Rui Sinel de Cordes, embora eu ao pesquisar na net lhe tenha chamado Rui Cordel de Sines (honest mistake).
Quem já viu o programa, sabe o que o espera: o senhor anda pelo país, visitando localidades, e gozando alarvemente com elas. O que me parece um óptimo ponto de partida para um programa de humor, ou de qualquer outro tipo.
Acontece que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (a bafienta ERC) recebeu uma série de queixas de gente que, só pode, se leva demasiado a sério e se considerou ofendida pelas declarações proferidas no programa. Num deles, piadas de mau gosto sobre o Rui Pedro (a criança que desapareceu há uma data de anos) e sobre as vítimas de Entre-os-Rios. Noutro, sobre os Açores, focou o estereótipo de que naquele arquipélago as mulheres são todas horrorosas, abunda a violência doméstica e que na ilha Terceira há uma concentração anormalmente alta de homossexuais.
Por tudo isto, vem a ERC dar razão às queixas, recomendando à Sic Radical que se abstenha de emitir episódios que ofendam a dignidade humana, etc, etc (a decisão pode e deve ser consultada aqui, é hilariante).
Acontece que a própria ERC, que emprega centenas de tipos pagos com o nosso dinheiro e que na prática serve para muito pouco, cai numa (aliás, várias) contradição muito interessante. Diz que ofende a dignidade do povo da Terceira dizer que lá são todos paneleiros, mas depois acusa o programa de ter um tom homofóbico. Ou seja, diz que o programa dá uma visão negativa da homossexualidade, o que é errado; mas quando isso se aplica a alguém, está mal, porque aparentemente é ofensivo dizer-se que alguém é homossexual. Meus amigos, vamos lá a ver se a gente se entende. Se a ERC considera ofensivo dizer que alguém é homossexual, não estará a própria ERC a ser discriminatória e preconceituosa, e como tal a praticar aquilo que critica?
Mas enfim, esta é apenas mais uma decisão absurda da ERC. É uma espécie de comité bafiento e pidesco, que não faz o que deve fazer (por exemplo, controlar como deve ser o cumprimento da programação anunciada ou os tempos de publicidade ou as perigosíssimas relações entre os media e o poder económico) e se dedica quase exclusivamente a fazer de guardião dos bons costumes. Basta lembrar a decisão de obrigar ao cancelamento da pronografia gratuita na TV Cabo, algo que, de uma penada, fez retroceder a democracia portuguesa uns 15 anos.
O problema de "Gente da Minha Terra" não é ser ofensivo, que até é. E é parvo, estúpido, imaturo, preconceituoso, etc, etc, tudo coisas que fazem boa comédia.
O problema do programa é não ter piada nenhuma.
Suspeito que algumas piadas até podiam ter piada, se fossem ditas/contadas por outra pessoa. O rapaz esforça-se e tal, mas sempre num estilo de puto estúpido que acaba por não agarrar o espectador. Eu acredito sempre que este tipo de humor negro, parecido com o do Bruno Nogueira, por exemplo, deve ser complementado com um tom auto-depreciativo, o que ajuda o espectador a não ficar com a ideia de que está ali um merdas que se acha melhor que toda a gente.
O programa não tem piada, e é apenas mais um exemplo da série de coisas que apareceram depois do boom dos Gato Fedorento. Com a valiosa excepção dos "Contemporâneos" (que também gozava, e bem, com muita coisa) e do Aleixo, tudo o resto que apareceu foi um bocado merdoso. Alguns tinham boas ideias e falhavam na concretização, outras tinham até produção mas falta de material humorístico. Já agora, o Unas sempre foi uma merda, não é de agora.
Mas não ter piada não é crime. Vejo um genial programa como o Daily Show e sei que, se fosse neste oásis de desenvolvimento que é Portugal, a ERC já teria mandado fechar. Porque quer defender a moral e os bons costumes, dos quais acha que é representante, apesar de não ter mandato para isso. Até o nome do seu presidente - Azeredo Lopes - cheira a velho, a naftalina, a Estado Novo. Há quantos anos os senhores da ERC não mandam uma foda bem dada? Talvez ajudasse...
Para concluir, apenas uma pergunta: como se pode acusar este programa de ofender a dignidade humana e não dizer nada de "Tardes da Júlia", Fátimas Lopes, Gouchas e essas merdas, em que tudo é exploração de tragédia e boçalidade?
Se calhar porque, apesar disso, esses programas servem para perpetuar a ideia de um povo português "pobre mas honrado", "de brandos costumes", "pequenino mas trabalhador", etc, etc. Valores que a ERC, na sua bolha temporal, tanto preza.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
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7 comentários:
feio como o carlos martins
Óptima dissertação.
Concordo plenamente com tudo o que rebates, menos na parte do não achares piada ao rapaz.
O rapaz tem jeito para a punchline de humorismo negro, mas ei: gostos são gostos, e dos teus, apesar de contrários aos meus, não tenho a criticar.
Afinal de contas, sabes passar da barreira do gosto pessoal e defender genericamente a liberdade de expressão.
E isso basta para respeitosamente me calar.
*nada tenho a criticar
Lamento a gralha. Eu culpo a falta de cafeína.
trabalho na erc e fiquei agora muito preocupada por saber que sou bafienta. Certamente que, por gentileza e até pena, as pessoas que me rodeiam nunca me tinham alertado para isso. Ainda bem que um amigo meu me ofereceu um perfume esta semana. Às tantas foi uma indirecta. Quanto à minha vida sexual, folgo em comunicar que fodo com regularidade, ainda que não com o presidente da erc, pelo que não faço ideia de quantas dá por ano. De resto, também não acho piadinha ao programa. Ainda que discorde de reprovações a programas de humor.
Trabalhar para a ERC é quase tão mau como trabalhhar para a Ongoing!
Tudo isso é pura verdade. Já lá trabalhei. Tenho como atenuante tudo ter feito para que poucos desses ressabiados com demasiado tempo livre que me passaram pelas mãos terem tido o que queriam.
Infelizmente, saí de lá pois estava à frente do meu tempo - não consegui fazê-los ver que "Pó caralho!!!" é uma forma perfeitamente aceitável e curial de responder a uma queixa de cidadão indignado com o racismo subjacente ao uso, em episódio de novela portuguesa, da expressão "um olho no burro, outro no cigano".
Cara funcionária, folgo por saber que a sua vida sexual vai de boa saúde. Pire-se da ERC, porque se eles descobrem vai ser um sarilho.
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