Numa das eleições da nossa história em que, previsivelmente, a abstenção seria maior, nada melhor do que dificultar a vida aos casmurros dos eleitores que decidiram ir votar. Esses malandros, que insistem em ter uma palavra a dizer acerca do futuro do país, estavam a pedi-las!
Ora aí está.
Por todo o país, houve bronca.
Porquê?
Por causa do Cartão do Cidadão.
Essa maravilha da tecnologia portuguesa, primo do Magalhães e sobrinho do carro eléctrico, não só não serve para nada como conseguiu dar barraca na única ocasião em que tínhamos de o tirar do bolso.
O que aconteceu foi uma brutal confusão à volta do número de eleitor. O Cartão do Cidadão, que faz tudo qual Bimby dos documentos pessoais, não traz o número de eleitor. E quem foi votar só com o Cartão do Cidadão…lixou-se.
Noutros casos, o problema foi que, ao tirar o Cartão do Cidadão com o código postal da residência actualizado, as pessoas acabaram por ficar noutro local de voto. O problema é que ninguém lhes disse nada, e só perceberam hoje.
Por último, estavam disponíveis três maneiras de saber a merda do número de eleitor: internet, chamada telefónica e por sms. Sendo que, durante horas, nenhum dos sistemas conseguiu dar resposta aos imbecis que quiseram mesmo votar.
Eu próprio vi, no meu local de voto, uma fila de 50 pessoas no gabinete de apoio, para que soubessem onde votar. Nesse gabinete, o que se havia era um senhor ir à internet para descobrir a informação, sendo que o site…borregou. E assim se manteve pelo menos entre as 15 e as 17 horas.
Mais giro ainda foi, com o site bloqueado, haver um link que dizia “Ajude-nos a melhorar”. Cliquei e…não funcionava. Mais palavras para quê?
Muita gente virou costas e se pirou, algo que eu próprio presenciei (a minha mãe só não fez o mesmo porque insisti com ela para que aguentasse e votasse).
E é claro que já vieram as vozes tecnocráticas do regime socrático defender que a culpa é das pessoas, que não verificaram antecipadamente se tinha havido mudanças. Ou seja, a responsabilidade é dos próprios facínoras viciados em votos. Brilhante.
Os sistemas são construídos tendo em atenção quem os vai usar, em teoria. E quem iria usar este não era o Sócrates, o Bill Gates ou o Zé Magalhães. Eram os tugas, muitos deles idosos, que não podem/sabem aceder à internet ou mandar um sms. Quando a abstenção é um problema desta dimensão, votar tem de ser fácil, acessível, intuitivo. Não se pode dizer “tu és info-excluído, portanto não tens direito a votar”.
O problema é sempre o mesmo, e vem da obsessão de Sócrates de tornar este país “modernaço”, nem que tenha que nos matar a todos pelo caminho. Como sempre, é fogo de vista, um brilharete para dizer que fez algo, sem haver uma estrutura de base que o suporte, que torne a coisa realmente útil e utilizável quando é preciso. É, como de costume, construir a casa pelo telhado.
Há eleições com intervalos de anos. O que raio andou a malta a fazer durante este tempo, para isto dar agora esta barraca? Comissão Nacional de Eleições e Ministério da Administração Interna, que raio andaram a fazer? Temos milhares de portugueses tecnicamente impedidos de votar e ninguém se demite?
No mundo de Sócrates, todos vestem Armani e têm pelo menos um iPad, um iPhone, um GPS, três Magalhães e um Tamagotchi. Como tal, nunca lhe passou pela cabeça que os seus cidadãos não tivessem, todos, ido à internet saber qual era, agora, a sua mesa de voto. No mundo de Sócrates não há velhos, nem pobres, nem sem-abrigo. E nunca há falta de rede Wi-fi.
Sócrates vive no Second Life.
Aos seus olhos somos avatares, e não cidadãos.
domingo, 23 de janeiro de 2011
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4 comentários:
Esse cabrão do Sócrates qualquer dia aleija-se. E já faltou mais...
(subscrevo e apoio o comentário anterior)
falas bem quanto às novas tecnologias.
esquecem-se que o país não é só composto de jovens licenciados e profissionais de classe média.
eu vejo em algumas empresas com quem trabalho, daquelas que aumentam efectivamente o PIB porque até os patrões trabalham das 8h às 22h, que nem um mail sabem enviar. aqui no norte as coisas foram construídas a pulso, por uma massa empenhada mas desinformada e sem educação.
a implantação das tecnologias tem que ser faseada e a pensar no utilizador mais básico, não podem supor que todos partem do mesmo nível.
bom post pá, bom post. gosto da vossa (in)sanidade.
Adorei o Post e subscrevo. Junto apenas mais um pequeno escândalo: paguei 2€ para votar. Passo a explicar: ao chegar à mesa de voto com o meu antigo cartão de eleitor e ser informada que o meu número já não constava daqueles cadernos, enviei a SMS para saber para onde me dirigir. Como nunca mais havia resposta e há quem trabalhe mesmo em domingo de eleições, liguei o famoso número de apoio, que me tinha sido apresentado como gratuíto pelas pessoas da mesa. Ora não só levei imenso tempo para ser atendia, como a sra que me atendeu tinha menos educação que uma mula. Depois de muita espera lá fui informada que tinha que ir votar do outro lado da cidade. A surpresa foi ao desligar a chamada, quando me foram cobrados 2€ pela mesma.
Num serviço que supostamente foi criado paa resolver as barracas que o próprio sistema cria, supostamente para ajudar os cidadãos a cumprir um dever cívico e universal, porque raio é que a chamada anda por cima é a pagar? E se eu n tivesse saldo? Ah, resta dizer que a famosa SMS chegou, sim... sem me dar nenhuns esclarecimentos válidos e quase uma hora depois de u ter ido votar.
Espectáculo.
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