sábado, 7 de julho de 2012

De inconstitucionalidades e outras merdas

Vi muita gente - sobretudo malta da Esquerda - cantar vitória com a decisão do Tribunal Constitucional (TC) sobre os subsídios de natal e de férias dos pensionistas e dos funcionários públicos.
Naturalmente, seguiu-se a discussão sobre onde vai agora bater o pau, sabendo-se de forma limpinha que vai ao dorso dos privados.
Mas não se discutiu ainda, pelo menos da forma correcta, a própria decisão que esteve na origem destas dúvidas todas: o acórdão do TC.

É que, na minha modesta opinião, o TC está redondamente enganado.

O grande argumento é que o corte aos subsídios da função pública e reformados (poupando apenas os que ganham menos) viola o princípio constitucional da igualdade, porque não corta os subsídios dos privados.
A partir daqui, a coisa complica-se.
Como é óbvio, o Estado só é dono do que é seu. Por outras palavras, só pode cortar no dinheiro que possui, no dinheiro que gasta. Não pode dizer aos privados "nao paguem os subsídios aos vossos trabalhadores", porque o dinheiro desses subsídios não é seu. É dos privados, que o pagam aos seus trabalhadores.
Portanto, o TC diz que é inconstitucional porque não corta a todos. Mas cortar a todos seria ilegal, porque seria o Estado a mandar numa coisa que não é sua. Mas o TC não parece preocupado com isto. Porque, do alto do seu cadeirão, só diz se é constitucional ou inconstitucional, não sugere nada, nenhuma alternativa. É óbvio que deixa no ar a alternativa, que por acaso, como aqui demonstrei, é ilegal.
Tá certo.
Por outro lado, se o Estado fizesse uma lei que diria assim: "neste país, até 2018, é proibido pagar subsídios de Natal, públicos ou privados". Isto seria legal (com esta nova lei) e seria constitucional. Não serviria é para porra nenhuma em termos de défice das contas públicas. O Estado pouparia nos subsídios que não pagaria, mas não ganharia nada com o corte aos privados. Esse, simplesmente, ficaria nos bolsos das empresas privadas, que estariam proibidas de os pagar (e elas chateadas!).
Ou seja, sabendo nós que a solução que o TC "sugere" para derrubar a inconstitucionalidade - o corte a todos - é ilegal, ficamos a perceber que o único argumento que resta ao TC é ideológico. Não tenho nada contra, aliás, a Constituição é um documento ideológico. Mas, saindo do reino da legalidade - no qual o TC não parece ter muito jeito - entramos no reino da ideologia e, sobretudo, do subjectivismo esotérico.

Como não pode sugerir a ilegalidade (e a inutilidade para as contas públicas) do corte igual para todos, refugia-se numa formulação que defende que todos, por igual, devem partilhar o esforço. Quer o TC com isto dizer que não é isso que está a acontecer. Que, por via do corte dos subsídios, os funcionários públicos estão a suportar um maior esforço do que os trabalhadores do privado. Curiosamente, desde o início desta crise (2007, com o subprime, remember?) eu não vi um único funcionário público ser despedido. Um só. Despedido a sério, como no privado, como aconteceu a 30 pessoas na minha empresa.
Portanto, se vamos falar de igualdade, do princípio constitucional da Igualdade, convém que os senhores do TC fossem sérios e consequentes.

Porque, no fundo, tudo o que está em causa nesta decisão é a opinião (aliás, não consensual) do TC de que os esforços associados à austeridade não estão a ser igualitários, penalizando sobretudo os funcionários públicos, que curiosamente são os únicos que não podem perder o emprego. Sendo que, também curiosamente, o desemprego, a perda do emprego, é a principal chaga desta crise e desta austeridade. E não chega aos funcionários públicos...

Mais, se querem ser consequentes, então porque não defender um imposto sobre as fortunas? Sobre o património? Sobre as transacções financeiras? Ah, porque aí o dinheiro ia-se embora. Ou seja, austeridade é boa mas só para a classe média e baixa. Para os outros, nada. E o TC, tão ufano na defesa dos SEUS subsídios, sobre isto não diz nada...

Senhores do TC: se querem defender o princípio constitucional da Igualdade, até ao fim, terão todo o meu apoio. Mas então olhem para a merda de país que temos, mas olhem bem, porque vão ter de o mudar de alto a baixo. Na questão da Igualdade, senhores do TC, todo o Portugal É UM PAÍS INCONSTITUCIONAL!

Não esperem é o meu apoio numa questão que no fundo, se resume a isto: para o ano, os senhores do TC querem ir de férias a Cancun, e assim já podem. Vou eu pagar.

Bravo.
   

14 comentários:

Dôtor Coiso disse...

O que acontecerá não será o não pagamento dos subsídios no sector privado, mas antes a sua tributação numa medida bem superior à actual.

A entidade patronal manterá a obrigação de pagar os subsídios, não sendo, porém, conhecida, à data de hoje, que proporção daquele montante irão os trabalhadores receber. Apenas se adivinha que uma boa fatia daquele montante irá parar directamente aos cofres do Estado.

Funcionário Público disse...

...não deixa de ser curioso que apesar do POST apontar para caminhos alternativos que evitassem este lodo em que a classe média e baixa foi enfiada, não deixa de mandar a espectacular ferroada nos criminosos dos funcionários públicos que, como não podem ser despedidos (dizem!), só têm é que arcar os cortes...porque "eu sou do privado e posso ser despedido"...no campo das hipóteses estaremos todos a sofrer, mas na realidade quem já levou a machadada foram os criminosos dos funcionários público...Não há pachorra para esta argumentação balofa...

Little Bastard disse...

Eu não defendo talhadas em ninguém, limitei-me a analisar a argumentação do acórdão do Tribunal Constitucional, que assenta num argumento "balofo" de igualdade, que não existe enquanto o sector público for protegido a todo o custo. Quanto aos FP, só digo uma coisa: quem me dera que houvesse igualdade, não lhes desejo nem mais nem menos do que há no privado. Prefiro ser "balofo" do que corporativista cegueta.
Entre a machadada do corte dos subsídios nos FP e as centenas de milhares de trabalhadores que perderam o emprego, a primeira é a pior, claro...

Mário Nogueira disse...

20 mil professores que levaram com os cortes nos subsídios vão passar a beneficiar da experiência do desemprego já a partir de Agosto/Setembro.

Grandes sortudos.

Funcionário Público Cegueta e Corporativista disse...

Claro, Claro Sr. "Little Bastard",...o que está aqui´em causa é precisamente escolher entre estas duas alternativas: Hipótese A...despedir milhares de pessoas....Hipótese B...proteger os funcionários publicos...
É essa a luta entre o bem e o mal...
Se não fosse pouco inteligente diria que é no mínimo hilariante...

Little Bastard disse...

o argumento da igualdade ou desigualdade entre funcionários públicos e privados foi levantado pelo TC, não fui em quem criou essa dicotomia. Como tal, a minha análise centrou-se nesse argumento do TC, que é errado. É evidente que a esmagadora maioria dos FP está protegida, como sempre esteve, do desemprego. Não tenho nada contra os FP, excepto aqueles que não vêem um palmo à frente do nariz e não querem perceber o que os outros dizem, como parece, lamentavelmente, ser o seu caso. Quanto aos professores, infelizmente são o elo mais fraco, devido à natureza jurídica do seu vínculo laboral. Folgo em ver que os professores merecem a sua atenção, mas todos os outros trabalhadores privados - as centenas de milhar, não são 20 mil - que perderam o emprego não gozam da mesma atenção. A questão fundamental não é defender os meus ou os seus: é avaliar a correcção da argumentação do TC. E esta, por mais voltas que dê, esbarra na mentira que é dizer que os funcionários públicos estão a sofrer mais com a austeridade do que os privados. Vou dar-lhe um exemplo muito simples: desde sempre, um funcionário público com vínculo inquebrável ao Estado, pode, por exemplo, planear razoavelmente a sua vida. Comprar casa, por exemplo, decidir ter filhos, por exemplo, com muito mais garantias do que um privado de que poderá, sempre, suportar as despesas inerentes. E isto não é de agora, é de sempre e para sempre, para centenas de milhares de funcionários públicos. Quer falar-me de igualdade?

Little Bastard disse...

E, já agora, não há maior sinal de corporativismo primário do que as respostas que a minha opinião gera, vindo dos funcionários públicos. É que a pseudo-guerra que eu pseudo-declarei aos funcionários públicos só existe na cabecinha desses funcionários públicos(houve um iluminado que ousou colocar na minha boca a palavra "criminosos", o que é uma maneira um bocadinho infantil de distorcer as palavras dos outros e de tratar a questão). Deixo esse tipo de guerras para outros. Agora, quem de facto acredita que os funcionários públicos estão a sofrer mais com a austeridade do que os privados só pode estar desatento, ou ser funcionário público com um severo ataque de umbiguismo. Saudações atónitas.

Funcionário Público Cegueta, Corporativista, Infantil e outras colisas mais que lhe ocorrerem Sr. "Little Bastard" disse...

Felizmente, quando me deparo com questões com as quais não concordo, que me despertam interesse ou que me merecem consideração, tenho tido a sorte de conseguir analisá-las numa preceptiva abrangente…não as analisa apenas com o enquadramento que dá mais jeito a esta ou aquela opinião. É apenas uma questão de respeito por mim próprio. Não gosto de correr o risco de ficar embasbacado a olhar apenas para a ponta do dedo que aponta para Lua. Nem todos têm a mesma sorte.
Quando me foram subtraídos em Julho de 2011 3,5% do meu vencimento, ou quando me foram subtraídos 50% do subsídio de natal, ou quando fui informado de que não iria receber subsídio de férias ou de natal no mínimo em 2012, 2013, 2014 e 2015, com a justificação “Porque sim” não me ocorreu “Mas que raio porquê só aos Funcionários Públicos…porque não a todos os trabalhadores portugueses”…ocorreu-me antes “mas porque raio estão a cometer esta ilegalidade e imoralidade à laia de reduções de défices quando esses défices são gerados por escandalosos e ruinosos contratos estabelecidos entre os criminosos que têm passado pelos sucessivos governos para beneficio de meia dúzia de acionistas milionários de empresas que essas sim têm expoliado o património do estado, que é de todos os contribuintes, como tem acontecido com Lusopontes, BPN’s REN’s, EDP’s, PT’s, “MOTAS ENGIS”, Submarinos, estádios de futebol, etc, etc, etc.??” Foi isso que me ocorreu. Ir á raiz do problema exige um esfoço intelectual um pouco mais demorado e temperado. É mais fácil meter as palas e em vez de questionar a razão da 1ª ilegalidade que agora pelos vistos também lhe vai tocar, indignar-se apenas pela “injusta distribuição das vergastadas”. Eu tenho cá para mim que o que é injusto são as vergastadas e não a sua distribuição. É contra elas que procuro lutar. Não me satisfaz saber que em vez de 50 vergastadas vou só levar 25 porque há quem leve as restantes.
Deixe-me que lhe diga…já trabalhei no privado como empregado e como patrão. Já trabalhei e trabalho para o Estado e não me sinto minimamente privilegiado por esse facto. Tenho consciência das vantagens e desvantagens de ambas as posições. Não tenho no entanto a tentação de generalizar e rotular “os privados” e “os públicos”. Tenho a sorte de saber que as pessoas não se dividem dessa maneira, e de procurar a razão e a verdade onde elas estão verdadeiramente e não onde me querem fazer crer que estão.
Mas…ó Senhor Little Bastard…eu sou só um Funcionário Público Corporativista, Cegueta, Infantil e Umbiguista…não perca mais tempo comigo. O mundo e a sociedade precisam do seu tempo e dedicação para olhar para os problemas dessa forma tão brilhante, justa e eficaz com que demonstra nos seus POST’s. Parabéns! A sociedade está a salvo com a visão com que nos presenteia. Os Seus estarão certamente muito orgulhosos.

papousse disse...

Êhhh Caralhooooooo!!!!!!!!!!

Little Bastard disse...

Bem dito, Papousse. Agora quanto ao senhor funcionário público.
Espero que tenha lido com atenção o post que deu origem a esta interessante troca de impressões. Quem fez a divisão entre públicos e privados, e não entre vítimas (os trabalhadores) e folgados (os accionistas milionários e os genericamente chupistas de Portugal) foi o Tribunal Constitucional (TC). E, se leu com atenção, perceberá que todo o post é acerca do TC, mais concretamente da argumentação do TC. Se ler o antepenúltimo e o penúltimo (sobretudo este) parágrafo do dito post, verá lá o que o senhor considera o mais importante. Também eu o considero importantíssimo, e nesse ponto creio estarmos 100% de acordo. Poderei, eventualmente noutro dia em que tenha mais tempo, escrever um texto sobre o big picture, e aí verá que penso o mesmo que vosselência. Acontece que o meu post era sobre o TC e a sua argumentação, que considero falsa e errada, além de uma aberração jurídica. O que deu origem à querela seguinte foi a reacção ultra-sensível e sim, corporativista, de um ou mais funcionários públicos que se sentiram atacados. Atribuo isto a algum sentimento de injustiça que os FP possam sentir por, de há vários anos para cá, serem repetidamente acusados de serem responsáveis por todos os males deste país. Não concordo com esta visão, de tal maneira que o meu post não era, de todo, acerca dos funcionários públicos. Não defendo que os FP paguem mais ou menos - acho que este tipo de soluções, para o público ou para o privado, só penalizam os mais frágeis e penalizam a economia como um todo. Limitei-me a pegar no argumento utilizado pelo TC, e sobre ele dar a minha opinião. Se alguém, como vosselência, decidiu levar isto para uma guerra públicos/privados, não pode depois acusar-me de ser eu a fazê-lo. Como calcula e terá a gentileza de me conceder, eu tenho o direito de dar a opinião sobre o que me apetecer, sem necessidade de falar da crise do capitalismo, do big bang ou do aquecimento global. Quem acusou um toque que não foi dado foi vosselência. A verdade é que, perante o argumento que insistentemente avancei, de que é factualmente errado considerar que os FP estão a sofrer mais com a austeridade do que os trabalhadores privados, não vi um único argumento convincente em contrário. Vi foi falarem de outras coisas (numas têm razão, noutras não) que eu não analisei, e vislumbrar um ataque que eu não desferi.
Para terminar, deixo uma pergunta muito simples: agora que todos vamos perder o(s) mesmo(s) subsídio(s), mas mantendo os FP a protecção de que gozam legalmente, está cumprido o preceito da igualdade? Agora sim, FP e privados passarão a suportar a mesma dose de austeridade, dando assim cumprimento à preocupação do TC?
Cumprimentos cordiais e volte sempre.

Little Bastard disse...

Papousse! Raviolli!
Reforcem o servidor!!

O tal FP coiso... disse...

Epá...não vou voltar a rebater o contrarebatido,...acho que já ficaram por aqui bem clarificados os dois entendimentos, distintos em alguns pontos, parece-me.
Deixo só mais esta "achega"...

http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=27&did=69936

...o mesmo FP, etc, etc... disse...

...pode ser que com este esclarecimento do TC o governo afinal não aplique a redução a todos os trabalhadores, uma vez que aparentemente não era essa a itenção do TC...
...e caso não lhe venha a ser retirado nenhum "subsidio" enquanto privado, mantendo-se apenas a redução aos FP, conto com a sua indignação perante a ilegalidade e imoralidade da situação. Não sei se na altura quando foram anunciados os roubos aos FP se manifestou contra ou a favor, ou se nem uma coisa nem outra, "antes pelo contrário"... mas deixo-lhe o beneficio da dúvida.

Little Bastard disse...

A sua achega é muito oportuna e acertada, ao contrário do Acórdão do TC, que necessita de uma posterior clarificação por motivos muito mal explicados. De qualquer das formas, a minha pergunta (que era a mesma desde o início) mantém-se, e não foi respondida.