Bastar-me-ia um motivo: todos os filhos da puta bem na vida que vejo tentarem destruir, e até ridicularizar esta iniciativa.
Todos os anos, nos 25s de Abril, etc, etc, os ouvimos: a chorar lágrimas de crocodilo pela falta de activismo e participação da sociedade civil. Mas, no momento em que esta parece apenas assomar, tudo são críticas. Dá para desconfiar, não dá?
A questão para mim é simples: Eu vou.
E vou porque:
- esta sociedade está há muito amordaçada, num marasmo de quem sente que tudo pode fazer, e que os espoliados de nada são capazes
- esta sociedade não responde à meritocracia. O que interessa é quem conheces, de que cor partidária és, de que família és Qualificado ou não, isso é irrelevante. Se fores de boa família ou de uma jota que interesse, tens bom emprego garantido. Os outros, os que têm de ir à luta, não têm hipóteses
- os partidos cada vez estão mais distanciados daquilo que as pessoas precisam. Chegam de facciosismo e de táctica. Precisamos soluções
- tudo aquilo que nos venderam não passa de uma fraude. Não há um "american dream", em que qualquer gajo pode lá chegar. Há um "different kind of american dream": que qualquer borra-botas pode efectivamente lá chegar, desde que com os padrinhos certos
- esta sociedade, tal como esta economia, vive assente numa mentira e numa crueldade: a mentira dos falsos recibos-verdes, dos precários, dos que não são bons o suficiente para ganhar um salário decente, mas que são aqueles que contribuem para a boa vida de quem manda, de quem nos governa, de quem gere as empresas e os serviços
- há toda uma geração que, pura e simplesmente, foi colocada num beco sem saída. E olha à volta e, no meio das suas dificuldades, vê muito pouca gente com responsabilidade que pareça minimamente preocupada com a situação. E que talvez assim abra os olhos, porque tem de ser
E, sobretudo, porque estou farto dos bem-falantes e bem-pensantes e pseudo-intelectuais e comentadeiros e paineleiros e políticos disfarçados e assessores e quejandos, todos empenhados em criticar esta geração, este movimento, as pessoas. Porque fogem do circuito. Porque pensam pela sua cabeça, pela sua barriga e pelo seu bolso e pelo seu frigorífico cada vez mais vazios. Porque já não decidem só a ouvir os Sousas Tavares nas Sic Notícias, falando arrogantemente de pança insultuosamente cheia. Vejo a grande maioria da opinião publicada a tentar desmontar a iniciativa. Que é manobrada pelos partidos da esquerda. Que não tem um programa. Que não tem uma solução. Que não tem um plano. Que quer a anarquia. Que quer colocar em causa a democracia. Etc, etc, etc.
A questão é simples: quem fala assim está satisfeito com a maneira como as coisas estão a correr. Bem alimentados, adulados, gatos gordos. Deviam lavar a boca quando falam de gente que passa dificuldades, que querendo trabalhar não tem condições para ter uma casa, começar uma família, crescer. Sobretudo, vejo aqueles que, etariamente, pertencem a esta geração. Esses são os piores críticos. Porque usam o argumento de que "eu sou dessa geração e estou aqui a escrever nos jornais, eu estou aqui". São os piores de todos, porque subiram, na sua esmagadora maioria, tal como os gatos gordos das gerações anteriores. Para eles o modelo funcionou. "Vejam como eu sou o bom aluno, que agradeço aos mais velhos que me deram esta oportunidade, vejam como vos deixo orgulhoso". Não há pior coisa que um jovem conservador. E não há coisa que me meta mais nojo do que estes engravatadinhos, velhos antes de tempo, já jogando o jogo das influências, já lambendo as botas, já fodendo quem, de facto, merecia estar no seu lugar.
Sim, o movimento tem pouca organização. Não, não dá soluções. Sim, corre o risco de ser instrumentalizado. Não, não tem um programa coerente.
É POR ISSO QUE NÃO É UM PARTIDO, CARALHO!!
Este tipo de coisas só nasce quando há uma profunda insatisfação com o sistema, com a forma como o sistema funciona. E, em vez de se reconhecer esta evidência e se olhar para os cancros que comem o sistema, ataca-se o movimento. Que está condenado à partida, porque o mundo sério e responsável o ridiculariza. O status quo não sabe lidar com a rua. Teme-a, porque lhe foge ao controlo.
No sábado, estarei na rua, em Lisboa. Pelos jovens, claro, mas também pelos outros. Porque, mais do que uma questão geracional, está em causa a forma como funcionamos enquanto sociedade. Porque todos nós estamos fartos de alimentar os gatos gordos e, mesmo assim, nos dizerem que não somos bons o suficiente para ter uma vida digna. E aqui não há jovens nem velhos. Há milhões de espoliados neste país. É o sistema económico e social que está em causa.
Se precisasse de um motivo para ir, bastava-me ver quem está contra.
Sábado lá estarei. E, se o tempo estiver bom, lá estará também a minha querida filha de 3 meses. Para que viva a sua primeira manifestação cívica e que veja que o seu pai não se resigna a deixar-lhe nada mais que uma dívida monstruosa para pagar.
Não nos deixemos ridicularizar. Não nos deixemos intimidar. É preciso que nos ouçam.
PS - não conheço ninguém da organização nem sequer tenho Facebook.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
10 comentários:
Bora.
Antes de irem, passem por cá para eu vos dar as picaretas.
Terei uma bancada de venda de paralelipípedos a meio da Avenida.
Eu cá não vou. A tua enumeração de motivos é linda e se fossem esses realmente os motivos da manif, eu estaria lá... com uma lata de gasóleo, para pegar fogo a São Bento.
O problema é que se trata de uma manif de chorões. De tipos que acham que porque tiraram um curso têm direito a um emprego para a vida e que pague bem. Gajos que acham por força que as empresas deviam contratar licenciados em estudos africanos só porque esses tóinos o foram suficientemente para ir para semelhantes cursos sem se enquadrarem no conceito de milionários diletantes.
Cursos são apostas, como quaisquer outras que se fazem na vida. AS apostas por definição implicam risco. Risco maior significa maiores possibilidades de ganhos. Eu fiz um cálculo economicista quando escolhi para mim algo que me desse mais probabilidades de não aterrar no desemprego. E havia coisas mais fascinantes a que me dedicar. Quem a elas se dedicou, por que chora agora?
Só a canção "e fico a pensar que mundo mais parvo...". O mal é ficarem a pensar, letárgicos, melancólicos, emos chorões armados em hipsters. Façam-se à vida. Se o mundo é feroz, também nós temos de o ser, não vale ficar a chorar porque o mundo é feroz.
Na geração dos nossos pais, ninguém tinha guita para comprar casa aos 25 nem aos 30 anos. Trabalho com direitos? Primeiro tinham de provar que eram mais rápidos no gatilho que os pretos de Angola e da Guiné. No outro dia discuti com um deolindo no facebook (também tenho os meus momentos de diletantismo hipster). Eu expliquei-lhe calmamente a lei da oferta e da procura e porque razão o curso de cultural studies esquimós que tinha tirado era tão bom como ter a quarta classe para efeitos laborais, no mundo real, e que isso não era nada de anormal. Resposta dele: "Isso do mundo real é muito sobrevalorizado". Magnífica frase, que sintetiza toda uma mentalidade.
Pela santa saudinha, botem as garras de fora, façam-se à vida e poupem-me! E deixem lá a Ana Bacalhau, a não ser para efeitos da já aqui mencionada punheta de mamas!
Funafunanga, estou totalmente de acordo com o que dizes acerca dos chorões, e é uma opinião que já tinha partilhado com alguns amigos. Mas, colocadas as opções na balança, esta manif é a coisa mais parecida com um dia de indignação nacional que vou ter, e o risco de ela ser um flop dará um péssimo sinal à nossa classe política. Eles já desconfiam que podem fazer tudo, será escusado dar-lhes a certeza.
Detesto que estejam a fazer disto uma luta geracional, e para prova de que esta aproximação está errada basta um nome: Rui Pedro Soares.
Ainda: estou certo que algum jornalista xico-esperto vai fazer uma reportagem sobre os 'jovens manifestantes' que foram para o Bairro Alto depois do protesto portar-se como bon-vivants. Vai uma apostinha?
Um conselho de amigo, Funafunanga: o gasóleo é uma péssima escolha para atear o que quer que seja. Gasolina 98 octanas. Vai por mim.
meu caro, funafunanga, a tua opção é tão válida como a minha.
E, admito, é praticamente irresistível gozar com o fenómeno da moda, etc, etc.
Se as coisas não estivessem tão graves como estão, também eu gozaria. Encaixa no meu perfil, tal como no teu.
Também eu, tal como tu, me safei. Mas sei que, na verdade, somos excepções. E o facto de nos termos safo não nos deve levar a fazer o raciocínio simplista de que "se eu consegui, os outros que não chorem". Porque o facto de nós termos conseguido uma posição com justiça, não significa que tenha havido justiça no facto de outros não a terem conseguido.
Se estas pessoas são assim tão ridículas e mal-preparadas, por que razão dezenas de milhares delas estão empregadas? Porque são precisas. Porque são capazes de fazer o trabalho. Apenas não merecem ser pagos decentemente por isso.
A verdade é que conheço demasiada gente boa que está a ser indecentemente explorada. Muitos trabalham lado a lado comigo, são bons, dão tudo, e chegam a dia 20 sem dinheiro para sobreviver. E não são inconscientes nem hippies. São cidadãos que, no seu contributo social, são tão ou mais válidos que tu e eu; mas não recebem em troca o que merecem, é tudo. E isso é, queiras ou não, injusto.
Não falo dos que não querem trabalhar, falo dos que querem, trabalham, e são explorados porque o sistema que existe assim funciona, para o bem dos que enriquecem todos os dias.
Eu expliquei o meus motivos, e acredito que esta é uma ocasião em que muita gente se pode reunir e ter uma voz. Eles serão mais para aqui, eu mais para ali. Mas estamos do mesmo lado. E como as coisas estão e para onde vão, é preciso começar a escolher lados, por mais individualistas que sejamos (e somos). O meu lado está escolhido.
Teria alguma piada essa rotinazita dos esquimós e dos estudos africanos, se tudo pudesse ser reduzido a isso.
Seria muito bom, aliás, se tudo pudesse ser reduzido e simplificado à caricatura que fizeste.
Eu sei que dá vontade, muita vontade, de gozar, de desconstruir, de ser do contra.
Para mim, a opção era simples: ser cínico, como habitualmente, ou ser solidário.
A solução habitual, blasé, tem dado o resultado que está à vista.
Escolho ser solidário.
Pois bem... acho que todos temos algo a apoiar nas muitas e dispersas motivações da manifstação e do movimento que se desenvolveu em torno dela.
Se é contra a hipocrisia da
utilizaçõ fraudulenta dos recibos verdes, estou com eles.
Se é contra a merdocracia que sempre prevalece sobre mérito no nosso país, é claro.
Agora, um emprego num call centre vai sempre ser mal pago em qulquer socieidade porqque envolve pouca ou nenhuma responsabilidade. E é algo que antes praticamente não exitia em Portugal, bem ou mal pago. Numa sociedade de massificação do ensino superior, vai sempre haver profissionais com formação superior cujo vvalor de mercado é equivalente aos sem formação. E o objectivo de qualquer pessoa é evitar cair nesse limbo dos "trabalhadores indiferenciados". Sendo certo que sempre vãocair alguns, tal como um dos gnus da manada acaba sempre por ficar para trás e ser comido pelos leões (estava agora a ver oNational Geographic, daí a comparação perturbadora). Se todos podemos cair, com justiça ou sem ela, nessa ou noutras situações da mó de baixo, o que não oiço ninguém reflectir, nem aos deolindos nem aos gordalhufos do regime e suas lágrimas de crocodilo, como podemos levar a nossa sociedade e a economia a ser maisjusta - e eficiente - de modo a deixar que uma pessoa que faça por isso consiga voltar a entrar em jogo rapidamente.
No fundo, acho que não é totalmente inocente gajos como tu ou eu terem conseguido algo. A verdade é que envolveu sorte (falo por mim, pelo menos) - desde logo no tempo em que entrámos no mercado, em que apesar das dificuldades, não estava fechado como agora -, mas também o facto de termos tido que, a certa altura da vida, fazer das tripas coração e fazer certas concessões tendo em conta a direcção que viamos tomar na procura. Mas a verdade é que conversas a que assisti não se afastaram tanto assim dos estudos esquimós, acredita. Há mesmo muita gente sem a mínima noção e sem querer tê-la.
Hoje em dia, há situações injustas. Mais do que nessa época, porque o funil é mais estreito. Resta saber se um gajo com o mesmo grau de calculismo, se hoje tivesse 24 anos e fosse recém-licenciado, talvez ficasse a ver navios. Gosto de pensar que o mundo é dos audazes, dos que têm jogo de cintura. Em todo o caso, o estreitamento do funil é o que sucede quando há uma crise. Não vejo na manif e no movimento um destinatário certo (protestam contra o governo, contra as empresas, contra a sociedade e o mercado - porque a verdade é que o mercado somos todos) nem um conjunto de propostas para resolver o problema.
"o risco de ela ser um flop dará um péssimo sinal à nossa classe política. Eles já desconfiam que podem fazer tudo, será escusado dar-lhes a certeza." - esta razão do raviolli, em que confesso não tinha pensado antes, junto com as ideias que partilho com o movimento, faz-me hesitar na decisão de não ir.
Atenta a última nota (do excelente comentador Funafunanga), impõe-se à esquerda portuguesa que pondere, desde já, o nome do Raviolli Ninja para seu Secretário Geral.
Enviar um comentário