segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

O crime perfeito

Ao meter o pé no primeiro degrau, olha para cima, as escadas rolantes estão paradas, o seu fim parece inalcançável e tem a estranha sensação que não vai chegar vivo lá acima. No segundo entra meio cambaleante, é difícil manter a pose com quase uma garrafa de whisky no bucho. A estação de metro está vazia, mas aquela estranha sensação vai e vem, acompanha os altos e os baixos da montanha russa construída por quarenta graus de álcool e que a sua cabeça não pára de percorrer.

No quinto degrau, puxa de um cigarro, a mão trémula não o deixa chegar à boca e cai no chão, abaixa-se para o apanhar, muito lentamente, porque qualquer movimento brusco é equivalente a um loop na montanha russa. O cigarro foge-lhe dos dedos, uma, duas vezes, à terceira não escapa, o sorriso de vitória é quebrado por um encontrão que o faz cair, no exacto momento em que as escadas voltam a funcionar. Nunca tinha reparado no tecto, é bonito, tem uns anjos desenhados que se riem para ele e fazem-lhe adeus. Continua deitado, leva o cigarro à boca, mesmo partido insisti em acende-lo. A sensação de calor do primeiro bafo que não chega a ser dado invade-lhe o peito. "Engraçado!", pensa "Ia jurar que o pullover que tinha vestido hoje não era vermelho." Ri-se, volta a olhar para o tecto e acena aos anjinhos que parecem estar mais perto.

As escadas rolantes chegam ao fim, o último degrau já voltou a ser o primeiro e um corpo teima em continuar a ser percorrido por todos.

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