Sopa do dia
Felicidade Barata e Fernando Silvestre ambos de 62 anos e casados à mais de 40, partilham o gosto pela pinga e o desejo de se verem no funeral um do outro, ele bebe tinto ela esconde a garrafa de aguardente.
Hoje a polícia foi outra vez a sua casa.
Ironicamente o Cabo encarregue da ocorrência pergunta:
- Então quem é o queixoso desta vez?
- O meu marido! responde Felicidade a soluçar que se refugiara da ira à porta de uma vizinha.
Dentro de casa estava Fernando, de olhos reflectidos num prato de sopa pousado na mesa da cozinha.
- Anda cá ! Sua bruxa! Então não vens comer a sopa! Uma sopinha tão saborosa. Anda cá!
- Então Sr. Silvestre que algazarra é esta! A sua mulher ligou para a esquadra o que é que se passa? pergunta o cabo penteando o bigode com ar enfastiado.
- Qual mulher ? A minha mulher já morreu! Foi essa bruxa que a matou e agora quer fazer-me o mesmo.
- Acalme-se por favor!
- Está a ver esta sopa!? Foi ela que a fez e não a quer comer, sabe porquê?! Está envenenada! Não fosse o meu olfacto apurado e estava agora com a cabeça afogada dentro deste prato.
- Sr. Silvestre sabe quantas vezes é que já vim a sua casa ouvir estas estórias?
Fernando murmura qualquer coisa indecifrável entre dentes.
- A última vez eram duas da manhã quando a Srª. Felicidade acordou a vizinhança dizendo que o Sr. a tinha tentado asfixiar com a almofada durante o sono. Acabou por passar a noite no hospital, lembra-se?
Fernando cerra os lábios sem tirar os olhos da sopa.
- Mas o Sr. não se lembra porque estava a dormir!
Não foi o que me disse, que a sua mulher tinha pesadelos?!
Depois a Srª. Felicidade desistiu da queixa dizendo que ia passar a dormir noutro quarto com a chave do lado de dentro, podia o Sr. ter outro ataque de sonambulismo... Agora é a sopa envenenada!
Sinceramente, não sei o que fazer a minha paciência tem limites!
Se o Sr. quer fazer queixa eu levo a sopa para análise mas nunca vamos descobrir quem é que cá pôs o veneno, tanto pode ter sido o Sr. como a sua esposa.
Fernando levanta o olhar, seguido pela cabeça, com as pernas arrasta a cadeira para trás e ergue o corpo decidido.
O cabo, surpreendido, tira-lhe as medidas (um metro e noventa do nariz até ao chão),
e ensaia um veredicto:
- Bom! O melhor é...
As palavras seguintes, prender os dois ,ficam estranguladas nas cordas vocais. Atrapalhado o agente imita um ataque de tosse.
Fernando já deitou a sopa no lava-loiça e abre a torneira indiferente.
O seu olhar parece agora beber toda a água que corre e procura a solução do problema no fundo do prato.
Finalmente vira-se e dirigindo-se ao cabo pergunta:
- O agente por acaso sabe cozinhar? Diga-me lá como é que se faz uma sopa, estou cheio de fome!
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