quinta-feira, 22 de julho de 2004

O Metropolitano de Lisboa (ou O Comboio do Terror)
 
Será apenas esquisitice da minha parte ou a utilização do Metro de Lisboa é uma experiência profundamente marcante e constrangedora na vida de qualquer indivíduo?

A aventura até começa bem com uma descida através de um túnel para um hall largo, que qualquer psicanalista não hesitaria em classificar como "uma agradável e securizante experiência regressiva de retorno ao protector ventre materno".

Engana-se quem se deixa ludibriar por esta reconfortante sensação. Mal nos sentimos no quentinho da mamã,  logo surge um rol de experiências, quais parteiras, para nos trazer de volta à crua realidade.

A ansiogénese começa na máquina que identifica os passes e pica os bilhetes (lamentável o afastamento dos "picas"). Senhora de personalidade própria, a dita engenhoca, não raras vezes, resolve não identificar passes válidos, ou então abrir as portas antes da apresentação do título de transporte e quando um gajo, com a chico-espertice que caracteriza o tuga, vai todo lampeiro para se fazer ao piso, a pensar "he he, já poupei um bilhete!", exactamente no momento em que o jingão vai a transpôr os portões do inferno, os ditos gritam em surdina "Já te fodi!" e fecham-se, deixando entalado o, agora mais humildezito, sujeito que não consegue deixar de sentir o peso da "barraca" nos olhares alheios.

Após tarefa hercúlea, passamos à fase seguinte.

Eis que nos encontramos na plataforma de embarque. Meio combalidos, mas já com a auto-estima mais ou menos refeita. Analisamos a área, mordemos o ambiente. Mais uma vez rasteirados pelo destino: a gaja boa está sempre no outro lado, na outra plataforma. Na nossa, senhoras abatidas pela vida, jovens com muito gel e ainda mais peneiras e aquela rapariga...sempre aquela rapariga de aparelho nos dentes, mais curvas do que as estritamente necessárias e aquelas borbulhas que deixam qualquer dermatologista a Xanax, que engraçou connosco e para quem um nosso olhar, mesmo que de soslaio, representa esperanças muito mais do que razoáveis.

Chega o comboio. Abre-se a porta e levamos com a debandada de indivíduos que se acotovelam e empuram para pisarem o risco amarelo primeiro que o próximo (pleonasmo?). Enfim embarcamos. Deixámo-nos engolir pelo Comboio do Terror...agora é tarde para voltar atrás!

O ar é pesado e composto por uma mescla de oxigénio, vapor de água, azoto, sovaco e urina ( para quando as fraldas aromáticas para incontinentes?). Quando nos sentamos num banco do Metro, sabemos sempre que momentos antes lá esteve alguém com mais de 60 anos e, com tempo, paciência e razoável capacidade olfactiva, podemos até começar a reconhecer quem, de tal população, por lá passou. E, meus amigos, por recente que seja, na história do mundo, a invenção do desodorizante, é suficientemente antiga para que pudesse já ter sido descoberta pela grande maioria dos frequentadores do Metropolitano lisboeta. Tal não acontece e existem momentos, em especial durante certas estações do ano, em que o vómito só é sustido por algum pudor e pela certeza de que andar por aí com a roupa toda cagada e exalando aquele aroma Calvin Klein nunca foi, nem agradável para o próprio, nem sedutor para outros.

O espaço pessoal é constantemente invadido por contactos bruscos, ora forçados pela ambição do condutor do famigerado comboio à atribuição da alcunha de "Schumi do Carril" à sua pessoa, ora provocados pela tal ânsia de saltar para fora deste mundo doentio, que invade o comum cidadão aquando da abertura das portas. Seja por que razão fôr, um gajo nunca consegue ter o mínimo espaço intímo e essencial ao equilíbrio da sua integridade psicológica e social quando anda de metro.

Ninguém contacta ocularmente com ninguém no Metro de Lisboa! Todo e qualquer ser que se preze, no Metro, desdobra-se em estratégias (deveria-se promover um concurso de originalidade) para evitar olhar para quem quer que seja: finge-se dormir, admira-se narcisicamente o próprio reflexo nos vidros, analisa-se vezes sem conta os mapas dos traçados do Metro expostos por cima das portas, olha-se para o chão, lê-se, finge-se ler, finge-se que se é cego e passeia-se pelo metro a fazer música com uma bengala e a pedir esmola, e tantas, tantas outras formas de evitamento social que os critérios DSM-IV (Diagnosis & Statistical Manual - manual americano de catalogação de psicopalogias e suas manifestações clínicas) para a Pertubação de Fobia Social não chegam para as identificar a todas. E quando inevitavelmente os olhos de alguém tocam os olhos de outrém, ambos os intervenientes tendem a, rapidamente, montar expressões faciais de petulância ou repulsa que sugerem sempre que aquela pessoa é tão divinamente perfeita que o nosso olhar de plebeus perturba a sua candura, ou que, nós, talvez anexados ao aroma que se faz (e de que forma!) sentir, provocamos, naquele mártir da causa locumotora, náuseas só equiparáveis às provocados pela exposição prolongada ao enxonfre.

Como se o nosso calvário não fosse já demasiado penoso, a viagem no Metro nunca proporciona ao viajante sair do comboio com as mão limpas. Serei só eu, ou é de comum acordo que, se os locais onde um tipo se pode agarrar para evitar a queda nas curvas do Schumi fossem espremidos, reciclar-se-iam litros e litros de óleo que evitariam despesas excessivas às tascas lisboetas, na aquisição desse lipídico composto polissaturado tão essencial à confecção de petiscos como o croquete, o rissól, a chamussa ou a batata frita.
Os apoios manuais do comboio metropolitano são ricos em oleosidades combinadas e oriundas dos mais variados quadrantes da sociedade portuguesa e estrangeira de visita, sempre com base no pressuposto da reciprocidade em que, ao meteres lá a pata, trazes o óleo dos outros, mas tens também de deixar um pouco do teu.
Por vezes, podemos agradavelmente adicionar a esta, já de si agradável, sensação aquela experiência íntima de contacto com uma qualquer outra mão suada que, no desespero de não cair, agarra-se ao mesmo local onde a nossa manápula se encontra, deixando agora, não só a sua palma oleosa, como, de bónus, temos direito às costas da mão no mesmo estado viscoso também. 

Caros amigos que tiveram paciência para chegar até aqui...perdoem-me o desabafo , mas este assunto constituía-se como provável despoltador de Pertubação de Ansiedade e estava claramente a necessitar de catarse.

 
ATENÇÃO!!! O autocarro não constitui alternativa viável!     


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