quinta-feira, 3 de março de 2005

Journal of an Idle Consultant

I. Dormência

Segunda-feira...
Oito menos dez, a mini-micro-aparelhagem faz click, o som em volume reduzido do programa matinal da rádio acorda-me meia-dúzia de neurónios... poucos, inúteis e perfeitamente dispensáveis. Ignoro o clickda mini-micro-aparelhagem, o programa matinal em geral e o mundo em particular.

Oito e dez.... oito e treze, diz o apresentador lá do outro lado rádio. Ele lá deve saber. O alarme do telemóvel, inicia o seu toque num crescendo sonoro, no mínimo irritante... e qual pára-quedas de emergência, resgata-me para a realidade, impedindo de me estatelar no sono profundo. Quatro outros neurónios despertam. Está reunido o número mínimo necessário à execução dos procedimentos básicos do desligar o alarme do telemóvel, sair da cama e higiene diária.
Primeira dificuldade do dia. Por opção estratégica, o telemóvel encontra-se afastado do raio de acção dos braços, não vá um qualquer reflexo despropositado inibi-lo de incumbir a sua missão matinal. O telemóvel encontra-se algures debaixo da cama, com um movimento de torção do corpo e jogando o braço direito tento alcançar o aparelho... não o encontro. Nada sinto. Tento com o braço esquerdo e também nada acontece. Dois neurónios despertam e segredam-me: Tens os dois braços dormentes!. Devia ter desconfiado, afinal nem sequer consegui torcer o corpo para chegar à beira da cama. Devo estar na mesma posição há pelo menos 5 minutos. Oito horas e vinte e sete minutos, confessa-me o senhor da rádio. Pela quarta vez na vida, desde que me lembro, sinto-me totalmente incapacitado, paralisado, qual super homem tetraplégico. Tento fazer retornar a força e o movimento aos braços, com vigorosos e desesperados movimentos de olhos e contorcendo o nariz, o sangue recomeça a fluir novamente nos membros superiores.
Num ápice rebolo para a beira da cama e tacteio velozmente por baixo desta. Encontro finalmente o sacana do telemóvel que ainda não se calou. Amordaço-o e amaldiçoo-o. Silêncio...

Vinte para as nove diz o chato da rádio. Até parece que lhe perguntei alguma coisa. Merda!!!, digo eu que entro às nove da manhã e ainda levo no mínimo trinta minutos de caminho até ao trabalho.
Tenho que ser rápido, preciso dum duche... gelado. Devia de ter pago a conta do gás na semana passada. Bem feita! Para a próxima já não te esqueces... digo isto há três anos e quase todos os meses é sempre a mesma coisa. Com os testículos mirrados e ainda com as costas húmidas regresso apressadamente ao quarto para envergar a farda imposta pelo rígido dress code da idle consultancy. Visto os boxers e calço as meias - post-it mental: estes eram os últimos boxers e meias lavadas, lavar tudo logo à noite - visto as calças, a camisa e ponho a gravata com o nó Windsor que não é desfeito já há três meses - ou será que são seis meses? Não me recordo.

Noticias das nove na rádio. Dizem-me que um comboio descarrilou na Nicarágua, setenta e sete ou setenta e oito mortos, não sabem precisar. Sorte a deles que já não tem que entrar às nove. Pego no casaco, dirijo-me para o carro. Distância aproximada: noventa metros.
A trinta e cinco metros do carro passo pela porta do café. Indeciso, paro e penso se entro para tomar um café e comprar cigarros ou se sigo directo para o trabalho. Com um cafézinho a viagem faz-se melhor. Entro! Afinal, já estou atrasado mesmo, que diferença farão mais cinco minutos, peço o café e os cigarros, bebo café e pago a conta. No rádio do café passa uma merda qualquer da Céline Dion esta gaja nunca mais morre! alguém diz que são nove e dezanove. Já não suporto a história das horas. Sigo para a viatura.

Allegro ma non troppo... Reparo na loura jeitosa que se atravessa à minha frente, mama e rabo rijos, deve ter dezasseis anos no máximo... talvez quinze.

Último semáforo antes da auto-estrada... Auto-estrada. Todos os aselhas do mundo que vão atrasados para o trabalho atravessam-se à minha frente, mais as lesmas das escolas de condução. Hoje apanhei com três deles. Nunca baixar dos cento e quarenta é o lema, dezoito quilómetros depois e menos de cinco minutos de caminho, saio da auto-estrada, menos de três quilómetros me separam do purgatório. Consigo estacionar o carro a três edifícios de distância do trabalho, últimas passadas apressadas e finalmente a porta.
Nove horas, quarenta e nove minutos e onze segundos... Pico o ponto!

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