Journal Of An Idle Consultant
V. Idle Consultants flutuam a 11.000 pés de altitude
Uma casca de limão está afogada num martini rosso prostrado à minha frente. Nove e um quarto, invariavelmente estão todos atrasados. "Ainda bem que marquei o jantar para as oito e meia." Um a um, a sós ou acompanhados pelas suas namoradas, esposas ou engates de curta duração, os meus colegas idle consultants vão chegando para o jantar de comemoração da partida de um colega para uma temporada de consultoria nas américas.
Raramente nos encontramos fora local de trabalho, excepto em ocasiões especiais como esta ou em escassos casamentos e alguns funerais. Quase sempre um idle consultant morre antes dos trinta e cinco anos, nunca de morte natural, a maior parte das vezes devido a acidente de viação, outras vezes por consumo excessivo de anti-depressivos, estupefacientes, doenças infecto-contagiosas, práticas sado-masoquistas ou eventualmente suicídio.
Um quarto para as dez, já cá estamos todos... os dezasseis.
Por entre martinis, caipirinhas, imperiais, um vodka martini "shaken not stirred", queijinhos de cabra e estaladiças tostas barradas com manteiga de alho, eles vão discutindo sobre as suas magníficas viaturas turbo diesel alemãs e sobre qual o melhor atalho para se deslocarem daqui para acolá, de ali para além e vice-versa, enquanto elas palram acerca dos filhos que querem vir a ter, de lojas, da última moda e outras coisas imperceptíveis que se confundem com o barulho que está no restaurante.
Peço um bitoque. Um bitoque não engana. Um bitoque é sempre um bitoque em qualquer restaurante, tasca ou casa deste país. É como um velho conhecido que nunca nos desilude, que nos acompanha num copo ao balcão de um qualquer bar quando estamos sós e com o qual debatemos sobre a importância do fio dental no rabo desta ou daquela gaja.
Sinto o meu espirito abandonar o meu corpo e elevar-se até ao nível das luzes fluorescentes do tecto. Qual super-herói de banda desenhada que observa o corrupio dos vultos nas ruas, do terraço de um edifício gótico numa noite de lua cheia, observo os acontecimentos à mesa. O meu corpo apático, essa cápsula carnal momentaneamente desprovida de qualquer vida interior, reage às estórias e piadas que contam, ora com esgares de sorriso, ora com sonoras gargalhadas. Tudo automatizado e com um timming tão perfeito que até pareço participar no jantar.
Observo-me degustar o bitoque em largas garfadas enquanto sorvo longos goles do tinto da casa. Começo a ficar ébrio, as faces rubrorizam-se, da minha boca começam a saltar para a mesa piadas fáceis e por vezes ordinárias. Ninguém fica chocado. Os gajos também estão embriagados cada um tentando ser mais engraçadinho do que o outro, as gajas encontram-se refugiadas na sua fortaleza de futilidades. Nada as pode atingir. Tenho calor, não sei se é provocado pelo tinto da casa ou pela proximidade das luzes fluorescentes do tecto. Talvez ambas.
Mais um copo de tinto. Seis copos de tinto depois, perdigotos da minha boca voam atingindo os mais próximos.
O empregado deposita um café à minha frente. Abençoado sejas. Bebo o café de um só trago, com um choque de realidade o meu espirito é atirado abruptamente de encontro ao meu corpo. Estou meio tonto. Pago a minha parte da conta, guardo o maço de tabaco, telemóvel, a carteira e levanto-me. As pernas pouca ou nenhuma força têm.
Despedimo-nos uns dos outros fazendo votos que este encontro se repita brevemente. Faço figas.
Chamo um taxi e debito ao taxista o que se assemelha a uma morada... a minha morada espero eu. Entre uma espécie de dois dedos de conversa com o taxista, percorremos a cidade. Chego a casa. São e salvo. Pelo menos por esta vez.
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