Journal Of An Idle Consultant
VI. Homem-Morcego
Sexta-feira, são quase sete da tarde é hora de despir o fato de macaco de idle consultant e de regressar ao meu covil secreto e vestir a farda de Homem-Morcego, pois duas noites de combate a uma semana de trabalho assim o exigem.
Nove menos dez, ainda fiz pouco mais de metade do caminho de regresso a casa. A culpa é de um choque em cadeia com seis viaturas na auto-estrada, com direito a capotamento e uma viatura totalmente carbonizada. Segundo a rádio, dois ou três feridos em estado considerado muito grave e um morto. Entraram com o pé errado no fim-de-semana.
Dez na noite, só tenho tempo para mudar de roupa, lavar a tromba, besuntar os sovacos com desodorizante e apanhar o primeiro táxi rumo à tasca aonde costumamos encontrar-nos todas as sextas-feiras para jantar e fazer uma corrida alcoólica contra o tempo, afinal a próxima segunda-feira é já ali ao virar da esquina.
A ementa de sexta-feira é invariavelmente a mesma imperiais, tremoços, mais imperiais, bitoques e outras iguarias similares, mais algumas imperiais, contar anedotas porcas, falar mal dos patrões, clientes, vizinhos e amigos ausentes - "mais quatro imperiais, se faz favor " - sobremesas, cafés, digestivos e cigarrinhos, eventualmente mais uma ou outra imperial e a continha.
É quase meia-noite e o nosso grupo desloca-se para o nosso próximo poiso habitual, uma tasca com um quarto do tamanho da primeira, aonde a cerveja em garrafa e os tremoços imperam. A noite avança e já entramos no sábado. "Quem é que quer mais uma Super?" Creditamos álcool no nosso fígado à mesma velocidade estonteante com que debitamos asneiradas e conversas mais ou menos sérias sobre artes, politica, eutanásia, futebol e outros assuntos correntes.
"Alguém que faça o filtro."
Quase duas da manhã, o comboio já vai em velocidade excessiva e não há travão de emergência que o pare. A quantidade de asneiras por segundo supera já em seis vezes o máximo recomendado pela Comunidade Europeia.
"É pá... Granda cú!"
"Faz lá isso." - Bilhetes para o carrossel da selva para todos. Mais rápido, mais alto, mais... Uíiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnn!!!
Três da manhã a tasca já está fechada e a procissão há muito que saiu do adro, nós ficamos para trás. O grupo começa a dispersar-se, uns com a desculpa do sono, de que a semana foi cansativa, outros nem por isso.
Os ébrios que resistem vão para o Buraco. O Buraco é um daqueles sítios que mais se parece com a casa da nossa avó pelas festas do Natal, cheia de parentes afastados e mais ou menos conhecidos, a quem se atiram camarões cozidos à testa, depois do bacalhau com grão e de umas garrafas de tinto, antes de se abrir os presentes. Só que com boa música.
Excepto às vezes, quando a música é depositada nos pratos à pázada com a delicadeza do coveiro da junta de freguesia, e o ambiente parece o da festa da mangueira do regimento de sapadores bombeiros. Andam todos ao mesmo. Andamos todos.
Há que passar às medidas extremas, vodkas com qualquer coisa e shots de outra coisa qualquer. O álcool e a música provocam estranhos movimentos na mais variadas partes dos nossos corpos, há quem chame a isso dançar, outros a doença de Parkinson.Cinco da manhã o DJ mata a festa. Debandada geral.
Está na hora de ir para o recato do lar, ou o que não mata engorda e vamos dar um pulinho "à da disco". É só um pulinho, daqui para acolá, a discoteca está ao rubro e a abarrotar. Pé na boca. Está quase tão difícil arranjar uma bebida como pão para a boca na Etiópia, os movimentos de Parkinson acentuam-se e os olhos estão embaciados pelo álcool, fumo, barulho das luzes, e não há gaja por muito mais fashion que esteja com o seu top reduzido e barriguinha lisa que os desembacie.
Sete e tal da manhã, acho eu. O sol já vai alto.
Chamem o INEM.
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