terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Peço permissão....

....para colocar no tasco o que será eventualmente o post mais longo da sua história. É um excerto de um livro que escrevi há uns anos e que estou a rever, e que realmente ajuda a perceber por que razão nunca serei um autor publicado.

Espero que gostem.

Do vosso,

LB.


Estive o dia inteiro a ver televisão, desde as nove da manhã até agora.
Ouvi também alguma rádio, o que não fazia desde que entrei em casa para não mais sair. Liguei a merda do telefone e fui à Internet, para ler uns jornais. Não sei porquê, mas senti uma necessidade incrível de saber o que vai lá por fora, de sentir o mundo. E o mundo continua na mesma. O mundo está na merda. Mais: o mundo é uma fábrica de merda, e a merda está em todo o lado.
Na televisão continua a febre do Big Brother. Esta noite transmitiram em directo uma festa com os residentes, ou ex-residentes ou lá que bocados de merda todos eles são. Estava lá aquele caralho do apresentador, aquele boneco de cera que será para toda a vida o ex-marido da Bárbara Guimarães que foi trocado pelo ministro panasca. Mais uma peça da máquina de merda. O gajo lá estava, todo janota, “e aqui, em directo da festa do Big Brother, com a presença dos Anjos, Micaela, Tuxa”, e mais não sei quantos zés-ninguém que parece que são agora vedetas. “Estamos agora com imagens da pista de dança, onde estão já presentes algumas das nossas estrelas, o Bruno, a Liliana o....” e disse mais uma série de nomes, os nomes das nossas estrelas. Estrelas?! ESTRELAS, CARALHO?! Mas está tudo grosso, está tudo estúpido, está tudo cego?! Um gajo já não pode virar as costas sem que vá tudo para o caralho?!
Na SIC, que disputa com a TVI o título da maior máquina de merda de Portugal, o incrivelmente merdoso Jorge Gabriel conversava com a inexistente Lili Caneças, que até conseguiu dizer duas palavras seguidas sem se enganar. E o Jorge, o Jorge do “Ponha! Ponha! Calma, João!”, que parece disposto a tirar o título de merdoso-mor ao incrível tirolês Figueiras, dizia “e agora é a decisão pelo qual todo o país anseia, qual dos concorrentes vai ser expulso da casa!”. Mas que merda é este fetiche agora com a puta das casas?! Estamos a brincar aos Famobil ou que merda é esta?! Mais uma peça na fábrica de merda.
A RTP1 estava na banheira, como sempre, obviamente a apanhar uma tareia monumental nas audiências. Mas o que me irrita não é isso, é a merda das audiências que fode tudo e que nos deixou onde estamos. É que a RTP1 estava na mesma merda, com o simpático Baião aos saltos por tudo o que era sítio, o que “é muito diferente das palhaçadas que ele fazia na SIC porque agora está de fato e faz imitações da Broadway”. Broadway?! Mas que caralho quero eu saber da merda da Broadway?! O Cats?! Isso é qualidade?, uma merda lamechas que nunca mais acaba com meia dúzia de castrados vestidos de gato? Que se passa?! Está tudo grosso?! Não, é apenas mais uma peça na fábrica de merda, a Broadway do Baião como o tirolês do Figueiras.
A rádio finge ser diferente, mas a merda está lá, é uma merda diferente, radiofónica, mas continua a ser merda. A notícia do dia é o fascista do Portas a exigir a demissão do governo por causa de uma merda qualquer tão insignificante que daria vontade de rir a qualquer pessoa com meio cérebro. Os Estados Unidos cagaram para o protocolo de Kyoto, o Bush começa finalmente a deixar cair a máscara. O planeta está na merda, o Portas continua a ser uma merda e a merda dos jornalistas continuam a cheirar-lhe o cu e a dar-lhe tempo de antena. A fábrica de merda não pára de produzir, e a merda está em todo o lado.
Restava-me a TV2. Merda. Merda intelectual, a merda que tem vergonha de ser merda e se mascara de caviar. Um programa tão chato que faria adormecer um puto com 10 pastilhas de ecstasy nos cornos. Meia dúzia de betos com os óculos na ponta do nariz dissertam sobre uma merda qualquer, como sempre mais preocupados em falar caro e de maneira imperceptível, para mostrarem os grandes génios de mesa de café que são. Pontuação final: Cagança 20; Tomates 0!
Aqui há uns anos atrás, eu pensava que a situação não podia piorar. Tínhamos o Big Show Sic, o auge da música pimba, a inexplicável Belle Dominique, o suceso do Titanic. Pior seria impossível, pensava eu. A merda estava lá, se calhar como sempre estivera, mas parecia controlada. As pessoas deitavam o olho a toda essa merda, mas tinham ainda qualquer coisa semelhante a vergonha. Agora não. O típico Prudêncio Merdoso perdeu a vergonha na cara. Põem-lhe um microfone nos cornos e ele desembucha tudo, que o seu programa preferido é o Super Pai ou o Médico de Família, que o Zé ou o Manel é que devem sair da casa porque arranjam conflitos, o Toni não deve ser despedido porque é benfiquista de coração e deu-nos o último campeonato, apesar de não conseguir ganhar um jogo nem a uma equipa de cegos paralíticos. Todo o merdas tem opinião, fala com convicção, sabe, é. O chefe de família gosta de ver as notícias enquanto janta, “hoje em dia um homem tem de estar informado”, aldeia global é os tomates!, e vê os títulos do Telejornal enquanto enfarda uma costoleta pela goela abaixo, e pensa que já sabe tudo, é “um cidadão informado” e, como tal, apto a dar qualquer opinião sobre qualquer assunto, qual Nuno Rogeiro de Massamá. Já não há vergonha. A incrível massa de merdosos saíram da toca, estão todos cá fora, viva a liberdade, viva, viva, e vamos ver o Carlos Cruz, o sr. Euro, o sr. Qualidade, o maior merdoso e oportunista que este país já viu e alguma vez verá, o sr. Pseudo-Jornalista-Apresentador-dá-me-dinheiro-e-eu-faço-toda-a-merda-que-quiserem, mas com qualidade, com a merda do selo de qualidade da merda da BBC.
Vi hoje o Top das audiências televisivas. Malucos do Riso, Super Pai, Olhos de Água, um jogo de futebol qualquer, Big Brother (é um especial, aquela merda não acaba nunca). As estrelas aparecem nas revistas. O actor do Médico de Família. A actriz dos Olhos de Água. O irrequieto e intenso Toy. As modelos. Essas são as estrelas, as nossas estrelas, o nosso jet-set lilicanéssico, essas são as vedetas que nos olham de cima a todos, ao povo maravilhado e invejoso. Elas, as estrelas de papel, as peças da máquina de merda, todos os que isso constroem e todos os que essa merda consomem. E olham de cima, as vedetas. Não sabem falar, é certo, mas nós também não sabemos, e percebemos o que dizem, “falam-nos ao coração”. Que lindo. Esse é o nosso jet-set, esses são os nossos opinion-makers, que nos dizem o que fazer, o que ver, o que comprar, o que pensar. O que seria de nós sem eles?
Onde estão os gajos bons. Hã? Não os há? Há, há, tem de haver. Mas onde raio andam eles? O que raio andam eles a fazer? Ah, já sei, escondem-se nas madrugadas do segundo canal dando um lustro ao ego já inchado, sonhando com uma aparição nas Noites Marcianas. Nunca mudarão coisa alguma, nunca chegarão a lado nenhum, e odeio-os tanto como aos outros, talvez mais, porque deviam assumir as suas responsabilidades. Isto não é só ganhar o nobel e dar corda aos sapatos! Adeuzinho, cá vou eu, já empochei a massa e vou meter os pés de molho em Lanzarote. O Saramago é um chato. É um escritor do caralho, atenção, é de facto muito bom. Mas é um chato, é um dos gajos mais chatos que já vi. Quando fala até diz coisas acertadas, vê-se que ele sabe o que se está a passar, se calhar até foi por isso que fez as malas e se pôs na alheta. Mas é um chato. Está demasiado preso à sua pose de Grande Autor Prémio Nóbél para nos valer. Ele, tal como muitos dos gajos bons, tem demasiado a perder em dizer “o rei vai nu”, porque depois quem lhe iria promover os livros? Os gajos bons têm todos demasiado a perder, pelo que não fazem a ponta de um corno. Eu não quero ouvir um gajo inteligente a criticar a fábrica de merda através de uma elaboradíssima e desinteressantíssima teoria sociológica, apoiada em estudos científicos e dourada com uma cobertura artística. Ninguém vai ouvir essa merda, é tempo perdido. A masturbação pode ser muito divertida enquanto se é puto, mas é um bocado triste quando é tudo o que resta a um gajo com idade para ter juízo. E todos os gajos bons não fazem outra coisa senão masturbarem-se com a sua própria inteligência. Batem a pívea, limpam a mão, o seu acto nada fecunda, prossegue o baile, a fábrica de merda não pára. Não quero ouvir um tipo inteligente a desenvolver uma teoria inteligente sobre os malefícios da fábrica de merda. Que se foda tudo isso! Não é preciso sequer propor uma alternativa. Não há alternativa. Pode ser uma crítica vácua, se calhar uma masturbação crítica, mas é necessária. Eu não sou ninguém, não sou um desses génios que ganham prémios e maravilham mulheres de meia idade. Mas a fábrica de merda incomoda-me, e é preciso que alguém o diga, que isto está mal, que estamos todos mortos, acabados, emerdados. Se calhar não é preciso sequer que seja um desses gajos bons, mas esses teriam mais credibilidade para o fazer. Mas não com teorias que ninguém tem paciência para ouvir. É mais simples e mais eloquente que isso: é preciso apenas que digam a merda que tudo isto é, que tenham os tomates para olhar o Jorge Gabriel de frente e dizer- VAI PARA O CARALHO QUE TE FODA! Alternativas?, que se foda! Explicações?, que se foda! Credibilidade?, que se foda! Andam todos caladinhos por causa do supositório da merda da coerência e da objectividade. Que se fodam ambas, a coerência morreu e a objectividade nunca existiu. Só gostava que houvesse tomates. Somos uma nação de capados, a chafurdar na merda até às orelhas.

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