sábado, 22 de abril de 2006

Um bom trabalho

Na sexta, todos os jornais traziam a história de um jardineiro municipal que atacou quatro funcionários da Junta de Freguesia da Pena, em Lisboa, deixando dois deles em coma. Na grande maioria das notícias, era apenas isto que se dizia, um jardineiro que, com um martelo ou um ancinho (a polícia ainda não sabia), atacara quatro funcionários, deixando o presidente da Junta e outra funcionária à beira da morte. Mas o Público fez mais. A jornalista Ana Henriques teve a possibilidade de falar com o agressor ainda antes de a polícia o deter, quando aquele voltava normalmente a casa, depois da bárbara agressão. E, com isto, o que parecia uma simples história de um tipo enlouquecido, ficou mais complexa, mais rica, e menos fácil de digerir, de descartar o acto como apenas mais um caso de um gajo que se passou.
O agressor é Mussah Dia, um senegalês de 56 anos, há nove anos em Portugal e um caso de difícil adaptação a um país que ainda quer apenas explorar a mão de obra barata, sem dar direitos em troca. O seu fraco domínio do português terá sido outro dos entraves à sua insersão na sociedade, embora toda a gente se refira a ele como um bom trabalhador.
“Suportei todo o tipo de violência e discriminação”, afirmou ao Público o próprio Mussah, que não mostrava arrependimento pelo acontecido. Os funcionariozinhos da Junta queriam que o preto trabalhasse, mas recusavam-se a tratá-lo com a um igual. Os vários conflitos, sobretudo com uma das funcionárias, culminou com a apresentação, na sexta, de uma nota de culpa, com vista ao seu despedimento. E Mussah não aguentou mais.
Morava num quarto na Mouraria, que partilhava com outro senegalês. Era jardineiro de dia e alfaiate à noite. Conta o jornal que ficava sempre até à meia noite a fazer bainhas e pequenos arranjos, numa máquina de costura que tinha no quarto. O dinheiro, o que lhe restava, seguia para o Senegal, onde deixou mulher e duas filhas.
A vida é sempre mais complexa do que as típicas notícias de jornal fazem crer. E é por isso que a notícia do Público é valiosa, porque nem sempre as coisas são a preto e branco.
“Queriam matar-me, não me queriam ver mais”, afirmou o agressor. “A gente faz qualquer trabalho para ganhar a vida e sustentar a família. Suportamos tudo mas há um limite. Tenho direito a viver e queriam penalizar-me”, explicou.
As duas vítimas em piores condições estão em “enorme risco de vida”, segundo o Hospital de São José.
A vida é dura.

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