domingo, 14 de maio de 2006

Um luxo

Nunca tinha ido ao Londres, na Avenida de Roma. Fui ontem, e é disso que vos quero falar. Portanto, se queriam uma posta sobre coisas importantes, o Bush ou a dobradinha dos tripeiros, esqueçam, sigam para o próximo.
Esta é sobre uma simples ida ao cinema.
Nunca tinha lá ido por várias razões, sobretudo porque normalmente só tem filmes de merda e porque só tem sessão da meia noite em dois dias da semana.
Um deles é o sábado, e lá fui eu todo contente ver o novo filme do Terrence Malick.
Logo à entrada, começou bem. Tem um café Magnólia daqueles todos estilolos, e ainda estava não só aberto como também frequentado. Quero com isto dizer que não estavam lá só dois brasileiros a empilhar as cadeiras, mas sim clientes, malta que ia ao cinema e outra, na boa, na descontra, sem pressa de ir para casa e sem medo de serem escorraçados.
As empregadas eram simpáticas, serviram um café aceitável, e pode-se fumar.
Nice.
A senhora da bilheteira, porreira, não pareceu como nos outros sítios em que só trabalham maníaco-depressivos que odeiam o seu trabalho e parecem aranhas góticas subnutridas. Cool.
Desce-se as escadinhas, vira-se á direita, e a boa onda continua. Carpete grená, sofás brancos, grandes e confortáveis, com bons e gigantes cinzeiros, decoração simples mas fixe. Muito bem.
Depois há a questão da hora. Em Portugal anda tudo atrasado, é tudo a olhómetro, é assim a atirar para o mais ou menos, tudo menos o cinema. O cinema é a única merda que, em Portugal, começa a horas, nem que chovam canivetes. Mas não no Londres. No Londres, ir ao cinema é uma saída, não é apenas uma merda para consumir rapidamente porque os senhores querem bazar para casa, ou encher rapidamente a sala para terem mais sessões. No Londres não há pipocas, não há hordas de putos estúpidos nem de intelectualóides que só vão ao King ver filmes dinamarqueses e chineses, não há chão de plástico escuro, como nos Lusomundos e nas tascas de bólingue da parvalheira.
E não há pressa.
Fica-se ali nos sofázitos, na conversa, a fumar um cigarrito, até que chega um senhor, grisalho e de aspecto discreto, que abre as pesadas portas, à antiga.
Leva as pessoas ao seu lugar, de forma eficiente e simpática. Depois há a cena das cadeiras. Bem, as cadeiras!!!!
Um gajo senta-se e pensa que a cadeira está partida, porque vai abaixo. Não temam, meus amigos, aquilo é mesmo assim. Vai-se abaixo e nós vamos com ela, ficando aninhados como um bicharoco contente, perfeitamente confortáveis. Não são como as cadeiras dos Saldanhas, que são fixes de olhar mas têm a consistência de um tijolo, passados 10 minutos.
Começa o filme e, estranhamente, um gajo não se sente a ficar surdo! Fantástico!
(Outra coisa. Como não é da Medeia, ou lá o que é, não levamos com aqueles anúncios foleiros do cartão King Card).
E prontos, coisa e tal, tá a dar o filme e, de repente, a minha mais louca expectativa concretiza-se: INTERVALO!
Coooooooooooooooooooooooooool.
Mai nada. Como à moda antiga, um gajo vem beber qualquer coisa, mandar uma mija, conversar, fumar um cigarrito, esticar as pernas. Eu adoro intervalos no cinema, mas actualmente é uma espécia em vias de extinção. No Londres não. Mesmo na sessão das 00h15, mesmo num filme com mais de duas horas, ainda assim não há pressas em acabar com o ritual, como nos snack-bar cinematográficos que por aí andam.
O filme recomeça, blablablablabla, e depois acaba. À porta, o senhor da lanterna cumprimenta as pessoas com um aparentemente sincero "Boa noite e obrigado". Fantástico, saímos do cinema e não estamos num centro comercial com ar abandonado!
E prontos. É isto que vos queria dizer. Um cinema bonito, com ar antigo mas não moribundo, em que ir ao cinema é um verdadeiro prazer, porque não trata os filmes como a única coisa que existe, para além das pipocas. Ir ao cinema é um ritual. Adorava as ocasiões em que ia, enquanto puto, ao cinema de Carcavelos, e no intervalo vinha comprar rebuçados à entrada, e a senhora era a mesma desde sempre, e conhecia a minha mãe e era simpática.
E o Londres, ao qual fui pela primeira vez, devolveu-me o prazer, esse prazer do ritual.
E tudo isto por cinco heróis (caro, mas ainda assim menos 40 paus que os gajos dos Residences Monumentais).

PS: Quanto ao filme, é fixe. Visualmente lindíssimo, realização e fotografia magníficas, história razoável. Um bom filme, embora tenha para aí meia hora a mais. Ah, e foi outra estreia, foi a primeira vez que vi um filme com o Collin Ferrel. Não vai mal.

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