terça-feira, 13 de junho de 2006

A emocionante saga de Carlo Rasmussen

Carlo Rasmussen era uma loura criança italo-germânica. Nascera em Colónia, na Alemanha, o seu pai era alemão, a sua mãe era alemã, mas os seus óculos de sol preferidos eram italianos, obra de um artesão florentino. Colónia era nessa altura uma cidade pacífica e agradável, especialmente para aqueles que não detinham o sentido do olfacto. O pai de Carlo era o Dr. Strauss Rasmussen, um cientista especializado em engenharia genética. A sua mãe era também o Dr. Strauss Rasmussen, o que sempre causou à criança muita estranheza. Carlo era fruto de uma experiência de laboratório, um ser criado de raiz a partir de uma semente de sésamo, matéria que o Dr. Rasmussen sempre considerou detentora de “um grande potencial creativo, se lhe forem dadas as oportunidades”. Era grande preocupação do cientista dar a Carlo uma infância o mais normal possível, pelo que entendia fundamental a existência de um pai e de uma mãe. Para solucionar esta dificuldade, o doutor passava os dias vestidos de pai e as noites vestido de mãe. Contudo, esta regra era violada algumas vezes, pois havia certas ocasiões em que o Dr. Rasmussen se julgava sozinho em casa e se vestia de mulher mesmo durante o dia, mas desta feita para seu próprio prazer. Mesmo assim, Carlo teve uma infância normal, se exceptuarmos o facto de se recusar a mascarar-se de Zorro, excepto no Natal, ocasião em que o fazia de bom grado e até com alguma excitação. Por outro lado, nunca se deu bem a jogar ao pião, porque quando o lançava era o próprio Carlo que começava a girar sem parar, o que até podia ser divertido não fosse o facto de os seus colegas o tentarem girar na palma das suas mãos, o que o deixava muito irritado, além de despenteado. Mas a escola corria-lhe bem, apesar de sentir algumas dificuldades em dizer a tabuada dos sete enquanto fazia o pino e cantava tirolês. Isto fez com que chumbasse vários anos seguidos, até que propôs que o seu exame fosse constituído por uma prova ainda mais difícil, no caso a tarefa de comer dez pratos de esparguete à bolonhesa por uma palhinha. Voltando a casa depois de ter finalmente passado no exame, o seu pai ficou felicíssimo e ofereceu-lhe um livro de banda desenhada e uma fotobiografia do Clemente. Adorou ambas as prendas, especialmente o livro, e isso foi o início de um mundo novo para ele. Passava horas seguidas a ler livros aos quadradinhos, mas só o conseguia fazer se tivesse um revólver à mão, pois olhava para os bonecos e insistia que os anõezinhos coloridos o queriam matar. Um dia, um anãozinho colorido tentou de facto matá-lo ao tentar desenhar-lhe um bigode ridículo na testa, mas Carlo conseguiu escapar e correu a esconder-se dentro de um vaso de crisântemos que tinha no jardim. Passou lá vários anos, saindo apenas de vez em quando, quase sempre na altura dos saldos. Foi envelhecendo e tornando-se mais maduro e equilibrado, fruto da luz correcta e de ser regado regularmente. Dez anos depois de estar no vaso decidiu sair, até porque o facto de estar lá dentro tornava-lhe muito difícil jogar golfe, um dos seus passatempos preferidos. Voltou ao seu quarto um homem novo, e agora chamava-se André Mokenga e era um cabide de arame. Afirmava ter visto a luz, e ter percebido finalmente que o seu objectivo neste mundo era encontrar Deus, cuja figura lhe fora revelada em sonhos ainda dentro do vaso. Passou a vaguear pela terra em busca do seu criador, e insistia com as pessoas para que lhe pusessem os casacos em cima, dizendo “Ponha, ponha, é para isso que eu sirvo, oh que bom!”, o que levou um vizinho seu a pôr-lhe a alcunha de André Mokenga, o cabide de arame. Os anos passaram e André não encontrava Deus. Um dia, já grisalho, voltou para casa de seu pai e de sua mãe, o Dr. Rasmussen. Foi aí que, ao voltar a ver o seu pai, encontrou finalmente o ser que buscava há tantos anos: à sua frente, o seu pai tinha-se transformado no ser que vira em sonhos, a divindade. Em vez do Doutor sisudo e de meias de nylon que era antes o seu progenitor, Strauss Rasmussen parecia-se agora com um Eládio Clímaco com pés de pato e com uma equação complicada tatuada nos dentes.
“Meu Deus!”, gritou André, e correu na direcção do Todo-Poderoso.
“Sim, sou eu! O verdadeiro castor conhece sempre a melhor omeleta!”, e dizendo isto abriu os braços para abraçar o crente. Depois colocou-lhe o casaco em cima e pendurou-no no armário, onde Carlo Rasmussen ou André Mokenga (como quiserem) vive feliz até hoje, apesar de atormentado por uma traça ateia.

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