sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Foi azar, pá

António Oliveira, de 54 anos, era o senhor que morreu no hospital de Santa Maria, 6 horas depois de ter sido atropelado, em Odemira. Entre o acidente e a hora efectiva da morte, andou de cá para lá, numa terra sem ambulâncias como deve de ser e sem hospitais com capacidade para o tratar.
Nestas coisas, a primeira coisa que qualquer político de meia tijela faz é ordenar a abertura de um inquérito. É fácil, é barato e, pelo menos durante algum tempo, cala os chatos dos jornalistas. Mas o nosso ministro da Saúde, o senhor Correia de Campos, conseguiu a proeza de, depois de admitir essa hipótese, finalmente concluir que não era preciso inquérito algum. Não era preciso. O senhor ministro chegou à conclusão de que todos os procedimentos correctos foram cumpridos e que o estado do senhor era mesmo mau, pelo que dificilmente ele escaparia. Ah, e é importante dizer que o senhor ministro chegou a esta conclusão depois de ouvir algumas entidades, esquecendo-se de ouvir os bombeiros, aqueles que em primeiro lugar socorreram o acidentado.
Ou seja, se todos os procedimentos mais indicados foram cumpridos, e se o senhor chegou ao único lugar onde o podiam tratar, a Lisboa, seis horas depois do acidente e apenas para morrer, que raio quer isto dizer?
Que não havia nada a fazer, né?
Teve azar, o senhor António Oliveira. Teve o azar não apenas de ser apanhado por um automóvel mas teve sobretudo o azar de viver numa terra na qual o ministério da Saúde (pago com os impostos de todos nós e também dos cidadãos de Odemira) não tem condições para assegurar primeiros socorros de qualidade mínima.
Na prática, os senhores de Odemira não podem ser atropelados; não podem sentir-se mal; não podem estar seriamente doentes; olhem, pelo sim pelo não, estejam sempre todos saudáveis e não saiam de casa.

Já escrevi algumas vezes acerca do trabalho de destruição sistemática que este Governo está a fazer sobre as instalações de saúde no interior e genericamente longe das grandes cidades.
Este é apenas um caso, entre muitos, e concerteza não será o último. Vai continuar a acontecer, porque todas as semanas fecham urgências hospitalares, obrigando os doentes e acidentados a percorrerem cada vez mais quilómetros em busca de auxílio.
Dizem que "não é uma questão de dinheiro" mas sim de "racionalização de estruturas". Pois sim. Digam isso à família do pobre coitado que morreu por causa da vossa mentalidade de merceeiro e do vosso completo desprezo pelo bem-estar das populações.

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