segunda-feira, 19 de maio de 2008

Li o "Rio das Flores"...e não desgostei!

Ah, poisé, bébé.
Fui de férias e, depois de acabar o stock de livros "bons" que tinha levado, eu cedi. Peguei no calhamaço e, deus me perdoe, comecei a ler.
E Miguel Sousa Tavares é esperto, tenho de reconhecer isso.
É, basicamente, o que os gajos chatos chamam de romance histórico. Há uma história "micro", por assim dizer, uma família alentejana ao longo de várias gerações; e depois há a história "macro", das mudanças da Europa e do Brasil na primeira metade do século XX. A habilidade do Sousa Tavares está em entrelaçar ambas as narrativas, prendendo a atenção do leitor com os dramas, os amores e desamores das personagens enquanto as faz cruzar os acontecimentos mais significativos da história daquela altura. Eu sei, é um bocado estranho um agricultor de Estremoz ter vivido, de viva presença, a guerra civil espanhola, a ascensão de Hitler, a França dividida e a ditadura nascente no Brasil, para além de, é claro, Salazar e o Estado Novo. Mas, em algo de tão inverosímil, o autor até se safa bastante bem. A parte histórica, bastante pesquisada e mostrada de forma sucinta e interessante, é muito bem conseguida. Aprendi bastante, e esse é, de longe, o grande trunfo do livro, dar informação, simples e bem explicada, sobre factos históricos, muitos deles pouco conhecidos dos leitores, como eu.
Depois vem o problema, com a história "micro". É tudo básico, linear mas a armar ao complexo, unidimensional a fingir-se de profundo. E depois, acima de tudo, há o estilo da escrita. Sem chama, sem estilo, sem garra, sem personalidade. O seu estilo de romance está algures entre o classicismo chato e insosso de Júlio Dinis e os belos livros da Condessa de Ségur, destinados à dona de casa e aos pré-adolescentes bem comportados. Mas essa é, presumo, a ideia. Complicar, dar estofo e dimensão à escrita, requer talento literário e, além disso, arrisca alienar os leitores mais "simples", digamos assim. E assim lá se ia o campeão de vendas.
De qualquer das formas, não dei o meu tempo por perdido. Aprendi bastante e deu para perceber que, com uma boa dose de verve ou talento literário, Miguel Sousa Tavares poderia ter conseguido escrever um livro realmente bom. Assim, limitou-se a escrever um livro interessante, e acessível.
Não acredito que escritores "light" roubem leitores a escritores a sério, como os Lobo Antunes ou os Gonçalos Tavares deste mundo. Limitam-se a ir buscar leitores que não o eram, que não têm hábitos nem critério. Desta forma, prestam um serviço muito importante à cultura portuguesa, acrescentam leitores. E talvez quem leia uma Margarida Rebelo Pinto não vá a seguir comprar um Truman Capote, mas isso talvez aconteça com escritores como Sousa Tavares. Não é tarefa pequena, ou insignificante.

"Equador", o romance anterior de Miguel Sousa Tavares, vendeu mais de 300 mil cópias. "Rio das Flores", o último, teve uma primeira edição de 100 mil exemplares.

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