Eles & Nós
O meu amigo Ricardo é um gajo engraçado. Conhecemo-nos há mais de quinze anos, fomos colegas de turma, íamos andando à porrada dentro da sala de aulas, depois descobrimos que ambos gostávamos de Xutos e ficámos amigos. É um tipo engraçado e um leitor assíduo deste blog (dos poucos que nos restam) e é também o gajo que faz de emplastro nos meus posts, basta eu escrever para ele vir comentar e dizer que não tenho razão nenhuma. O que é óptimo. Porque ele pensa nas coisas. Porque ele pensa, e isso é raro.
Há quinze anos atrás, estávamos exactamente no mesmo sítio, eu e ele. Politicamente de esquerda, ingénuos, curiosos pela vida, um pouco medrosos, também. Foi ele o primeiro a achar que havia algo de literário em mim, no que eu dizia, no que eu pensava. Talvez estivesse enganado, mas a verdade é que me deixei convencer, e escrever é hoje em dia tamanha parte da minha vida que, de uma forma ou de outra, lhe devo, à sua fé ou ao seu mau julgamento, uma parte importante do que sou.
É raro falarmos. Ele diz que vai sabendo de mim pelo que escrevo aqui, e talvez o que escrevo aqui revele mais do que eu pensava.
Há 15 anos estávamos em perfeita sintonia. Passávamos horas na casa dele, a jogar computador (Offroad e Double Dragon), ou às voltas com o Trivial (o cabrão é bom a ciências, o verde). Lanchávamos (ele metia um tabuleiro por baixo quando comia bolachas, já aprendeste a comer bolachas sem te babares, meu cabrão?!) e a mãe dele fazia cara feia quando eu ficava lá horas, porque ele tinha que estudar. Ouvíamos música, que ele apanhava do irmão mais velho, e foi ele que me mostrou os Doors, a Janis, o Jimi Hendrix, os Pixies, os Nirvana e muitas outras bandas que foram a banda sonora da minha adolescência e que ficaram, para o bem e para o mal, na minha vida.
Há 15 anos atrás estávamos no mesmo sítio.
Agora ele está casado, tem dois filhos, amaciou e é feliz.
Eu não tenho filhos, sou feliz à minha maneira, mas tenho cada vez mais esta puta desta inquietação que vai resvalando para o cinismo e para a crítica desequilibrada.
Tínhamos um colega de turma, um puto cheio de papel, que tocava piano e vivia numa vivenda gigante ao pé de onde veio a passar a autoestrada e onde nós fazíamos as festinhas da turma. Onde vivi uma das noites mais felizes da minha então tenra vida, quando, no final da festa, beijei finalmente a rapariga de quem gostava, e vim a pé para casa (5 kms a meio da noite e eu era uma criança, seria impensável hoje em dia), como se pisasse nuvens. E o dono da casa, que falava baixinho e tocava piano, não era mau rapaz, mas eu nunca consegui confiar nele. Sempre tive, e continuo a ter, preconceito de classe. Não confio em gajos de monograma na camisa, políticos, empresários, patrões, ricos em geral.
Há um nós e há um eles. Havia então e continua a haver. Hoje em dia algumas coisas estão diluídas na minha cabeça, já não é uma questão de dinheiro, apenas. Há os filhos da puta e há os outros, e podem ser ricos ou pobres, mas eu na altura não sabia. Há os que querem liderar, os que querem enriquecer, os que querem "progredir". E pior que tudo, há os que querem fazer os outros "progredir", evangélicos do Portugal modernaço do Sócrates, do Durão, do GPS e do computador Magalhães. Todos com algo a ganhar, e a perder.
E penso que, 15 anos depois, já não estou no mesmo sítio. Cada vez menos esperançoso, cada vez menos lírico, cada vez mais cínico e desencantado e cada vez mais farto de poses e filhos da puta.
E percebo que, apesar da distância percorrida, levado apenas pela vida, estou muito longe de onde estava há 15 anos e de onde o meu amigo Ricardo ainda está, rodeado das suas teses e boas intenções.
Mas percebo também que, no dia em que isto rebentar, é ainda e espero que será sempre ao lado dele que estarei, contra os outros, contra eles. Porque os valores estão lá, o desejo está lá, o coração está lá, ainda e apesar de tudo.
Talvez eu seja cada vez menos um dos "nós"; mas sei que nunca, nunca na vida serei um "deles".
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7 comentários:
Não percebi!
Caro amigo. Desculpa lá a lamechisse reality show mas que sa foda. Vou pedir-te desculpas assim, publicamente, obscenamente, desavergonhadamente: estiquei-me, fui um melga, não devia estar sempre a perseguir os teus posts feito paparazzi com uma ganda bubadeira. Em minha defesa só posso invocar a ambiguidade da linguuagem escrita: tenho a certeza de que se tivesse feito a maior parte das críticas (nem todas, porque algumas, reconheço, foram mesmo imbecis) cara à cara, no intervalo entre uma gargalhada e uma cerveja, não tinha havido espiga nenhuma. Para me redimir um pouco da minha estupidez, confesso que concordo com quase toda a tua posta. Com algumas nuances. E passo a explicar.
É verdade que desde sempre pressenti o teu talento, mas também não era preciso ser um olheiro fora de série para tal. É que o meu amigo Bastard (que também é um gajo engraçado) sempre deu bastante nas vistas. Por exemplo, quando tínhamos para aí uns treze anos, depois de todos os outros putos (inclusive eu) lerem as suas insípidas e previsíveis redacções em mais uma insípida e previsível aula de português, Bastard começa a ler, pausadamente, pormenorizadamente, a descrição detalhada dos horríveis últimos segundos da vida dos passageiros de um comboio em queda, após o descarrilamento numa ponte... (ainda tens guardado esse delicioso texto quase inaugural?).
Quanto ao teu beijo adolescente, esqueceste-te de reconhecer que fui eu e a sua irmã gémea que vos cozinhámos o caldinho (isto soa um bocadinho pó junkie, não soa?), enquanto eu permaneci agarrado ao pau, a curtir apenas com a tal música de bom gosto que roubei do meu irmão. Alguma vez me agredeceste por isso, meu ingrato de merda?
E mesmo o tal bom som que te mostrei na adolescência. Pode ser verdade, mas esqueceste-te de dizer que mais tarde a Brit Pop, o Jazz, o Trip-Hop, o Buckley, o Drake (isto para mencionar apenas alguns) foste tu, e não eu, a desflorá-los (sim, eu sei, tenho uma relação um bocado pó fetichista com a música, internem-me).
Mas passemos ao essencial. Onde não há nuances. Fico contente de ainda me julgares um de "nós". Pensava que já me consideravas um "deles", um cabrão burguês, "casado, amaciado e com dois filhos". Eu sempre te considerei um de "nós". Apesar de todas as diferenças que nos separam (em que a mais importante é tu nunca teres gostado de Jesus & Mary Chain), continuamos, continuaremos juntos no essencial. Como dizem os nossos Xutos (os tais que me safaram de levar um enorme enxerto de porrada numa aula de educação visual, por causa, se a memória não me trai, de umas aparas de lápis que eu inadvertidamente deixei cair no teu estirador- já nessa altura tinhas um feitio fodido, meu cabrão de merda), lutamos, lutaremos sempre juntos, "do outro lado da luta".
P.S.- Sim, confesso. Continuo a não conseguir comer bolachas e papa-secos sem um tabuleiro por baixo. Mas não digas a mais ninguém.
P.S.2- Se conseguires sacar da net o Offroad, juro que nunca mais te fodo os teus posts todos.
Arranjem mas é uma cama! Onde é q já se viu tanta lamechice neste tasco infecto? Inspector meta lá ordem na casa!
Caro Fatchary, não vale a pena chamar o Inspector da sua hibernação. Vomecê tem razão.
Ricardo, ide à merda.
Assim é que é.
Concordo. Ide todos pó caralho.
comobinamos uma cartada no jardim?
ahhhh tão kiduxos k eles são....seuusss fofuxossss
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