sábado, 6 de dezembro de 2008

Há petróleo no Beato?

E, de repente, é só guita. Falo do nosso Estado, é claro. São 4 mil milhões de euros para reforçar o capital dos bancos, são 20 mil milhões de garantia para os mesmos bancos poderem emitir dívida, são 900 milhões para o sector automóvel, é TGV's e tudo o mais.
Partilho do asco de muito boa gente acerca do salvamento dos bancos em dificuldades. Por uma questão ideológica, e pelo preconceito de classe que, felizmente, ainda me acompanha, custa-me muito aceitar naturalmente que o nosso dinheiro seja utilizado para salvar instituições cujos gestores - muitos com ligações perigosas ao poder político - enterraram com práticas fraudulentas ou apenas de má gestão. Custa-me ver isso e saber que, por este país fora, estão a fechar centenas de pequenas e médias empresas sufocadas pela concorrência externa, e a quem o Estado não dá a mão, porque aí deve funcionar o mercado, o sacrossanto mercado do socialismo de pacotilha do modernaço Sócrates.
Custa-me, é verdade, mas entendo-o.
Os bancos são o coração de qualquer economia, e ainda mais da nossa. O mundo vive a crédito. Não são apenas os plasmas gigantes e as playstations e o carro novo de que, de facto, não precisamos. Ao nível das empresas, tudo funciona a crédito: qualquer novo investimento, qualquer reforço relevante de pessoal, qualquer plano de expansão para novos mercados. Até as simples actividades correntes se socorrem, muitas vezes, do crédito, em momentos de maior aperto. Bancos na falência significa quebra de confiança no sistema, significa buracos financeiros para os outros bancos (todos emprestam dinheiro entre si), significa, sobretudo, um congelamento ainda mais intenso da concessão de crédito. E se, ao nível individual, um pouco mais de dificuldade no acesso ao crédito não é mau, já ao nível das empresas poderia ter resultados graves, ao nível do desemprego.
É por tudo isto que, se ideologicamente a ideia me repugna, consigo aceitar que o Estado ajude alguns bancos.
Mas a minha questão não é essa.
Nós levámos com uma crise internacional em cima. O Sócrates está a tentar convencer-nos que a culpa é desse fenómeno, mas a verdade é que Portugal já estava bem enterrado na merda antes do furacão financeiro e do 'subprime'. Há um ano e meio atrás, com altos preços dos combustíveis, perda generalizada do poder de compra e o desemprego a subir, o discurso era, ainda, o da cartilha do défice. Não se podia esbanjar, não se podia gastar, porque o país tinha um problema grave de contas públicas. Acontece que, hoje, as contas públicas estão piores do que estavam há um ano, e de repente há dinheiro para tudo. O facto de termos um ano eleitoral cheio em 2009 não é alheio a isto.
Mas o que eu pergunto é: estamos ou não perante a prova inequívoca de que andámos a ser enganados? De que havia dinheiro, de que havia mecanismos para ajudar o povo em dificuldades, mas que sempre nos foi dito o contrário.
É esta a profunda contradição. Não se pode pedir rigor e seriedade agindo com desonestidade, contando ao povo apenas parte da história, a parte que nos convém.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tens razão quando dizes que certos bancos devem ser salvos para salvaguardar a confiança dos portugueses no nosso sistema financeiro- coração da economia que bombeia liquidez a empresas e famílias. Mas este pressuposto aplica-se ao BPN (com 300 mil depositantes e balcões por todo o país) e não ao BPP (banco insignificante que ninguém conhecia antes destes incidentes, que representa apenas 0,2% do mercado bancário, que tem apenas um balcão em Lisboa e outro no Porto, que não empresta dinheiro nem a empresas nem a famílias- apenas gere fortunas de meia dúzias de milionários influentes, apostando-as na lotaria da bolsa. Com estas características, a falência do BPP não implicaria qualquer risco sistémico para o nosso sistema financeiro- o próprio Teixeira dos Santos assim o reconheceu nas suas primeiras declarações. O salvamento do BPP decorre de outra lógica - proteger os interesses de milionários influentes como o Balsemão transferindo o risco para o estado e seus contribuintes. São as originalidades do nosso capitalismo: os portugueses inventaram o mulato e o capitalismo sem risco. Quando as coisas correm bem no casino da bolsa toca a colher os lucros- quando o jogo corre mal, o papá estado está lá para aparar os golpes e assumir os riscos. O estado funciona como uma espécie de robim dos bosques ao contrário, em que os contribuintes remediados são fiadores dos negócios arriscados dos milionários. E há sempre o custo de oportunidade: num contexto de recursos escassos, o dinheiro que for transferido para o BPP se as coisas correrem mal não pode ser aplicado noutras coisas, nomeadamente em políticas sociais. Que os lucros sejam privatizados, que os prejuízos ssejam socializadoe, e um santo natal para todos vós.