sábado, 29 de agosto de 2009


O disco da minha vida II

Teria de ser dos Xutos.
Percebo que os Xutos são um bocado como o Benfica, como tem muitos adeptos é cool dizer mal. E admito que custa a perceber qual o apelo dos Xutos para quem contacta agora com eles pela primeira vez, sem ter crescido com o seu som.
Eu cresci, e é também, ou sobretudo, por isso, que continuo a ser fã e a fazer o gesto ridículo dos braços cruzados.
Ó ié.

O disco em causa é o "78-82", o primeiro album da banda. Tem músicas feitas ao longo de quatro anos, o alinhamento era diferente do que é hoje. Zé Leonel tinha saído da banda (era vocalista) antes de gravarem qualquer disco, o que levou Tim a acumular as funções de baixista e de vocalista, até hoje. João Cabeleira, provavelmente o membro da banda que mais fez pelo "som Xutos", não constava ainda. O guitarrista era um tal de Francis, que não brilhava muito mas soava bem, de forma económica.
O disco saiu em 82 - eu tinha quatro anos - mas conheci-o bem mais tarde, provavelmente em 87 ou 88. Andava na preparatória de Oeiras e os Xutos foram a primeira banda rock, ainda para mais em português, que conheci. Naquela transição - ainda por cima para mim, que vinha de um colégio particular - o som duro, naif e diferente dos Xutos era tudo o que precisava para sentir que não estava só. Eu não tinha aparelhagem em casa, isto era muito antes da existência do CD, e lembro-me perfeitamente de como o disco veio parar às minhas mãos. É claro que já tinha ouvido falar dos Xutos, eles estavam a ganhar força mediática nessa altura. Eu tinha um daqueles gravadores de usar com o Spectrum - meses mais tarde ofereceram-me um mini-tijolo, daqueles pequenos e fininhos que só tinham um deck - e, como tal, só ouvia cassetes. No café ao pé da "ocupação de tempos livres" que frequentava - no qual o "professor" batia com a cabeça dos alunos no quadro de ardósia - havia um café chamado Belavista (será que ainda existe?), ali ao pé de Sassoeiros. E tinha uma daquelas coisas grandes e rectangulares com cassetes para venda. Mais de metade era Marcos Paulos e outras pimbalhadas, mas tinha também Elvis, Xutos, os Jackpots todos, etc. E aquela cassete dos Xutos (era um mini-album, não tinha sequer o disco todo), tinha uma capa branca, com a imagem dos Xutos em concerto, nem sequer era a capa original do disco (que por acaso é das capas mais foleiras que já vi).
Devido às boas notas e por ser genericamente um miúdo espectacular (ehehe) a minha mãe lá me comprou a cassete. Quando cheguei a casa, fui a correr para o quarto, fechei a porta, e fiquei lá até à hora de jantar, a ouvir. Não percebia tudo, não estava habituado àquele som. Mas a música era simples, directa, honesta e ingénua, e conquistou-me de imediato. Durante os anos seguintes, e ainda hoje, voltei muito a este disco, que tanto me ajudou.
É claro que o melhor disco de Xutos é o "Xutos ao Vivo", gravado no Restelo creio que em 88, mas este é especial pelo que me deu. Pouco tempo depois arranjei o maxi-single "Sétimo Selo" e depois saiu o "Album 88", e os Xutos deixaram de ser o meu segredo.
Depois, já na Secundária, quando estava ainda mais sozinho e muito mais inadaptado que antes, tornei-me amigo do Rapaz do Estupefacto Amarelo, numa amizade que ainda hoje dura. Tudo porque também ele era fã de Xutos, e foi daí que não mais parámos de descobrir música juntos.

Do disco, que neste momento roda no meu prato, limpinho de riscos que é uma maravilha, destaco alguns pontos. "Dantes", música de 81 que ainda adoro, que abre com a frase "Dantes, o tempo corria lento, meu"; "Mãe", também de 81, a primeira vez que ouvi algo de sexual numa música em português; "Medo", uma ode tenebrosa ao vício da heroína; "Viuvinha", que durante muito tempo foi a minha música preferida do disco; "Ave Maria", a música maldita e censurada, que é a única cuja letra não vem no disco; e, sobretudo "Quero-te", uma simples música de amor que tem o mais simples, ingénuo e eficaz solo de todo o rock português, que me leva de imediato ao sol, à infância e ao medo e gozo da descoberta de tudo. Lembra-me também uma visita de estudo à Foz do Arelho, onde vi pela primeira vez o grande amor da minha infância de bikini. E eu, a tentar interagir com ela e a meter-lhe areia dentro do fato de banho, sem saber que mais raio podia fazer.

E é isto. Eles ainda aí andam, no grande circo do rock n roll. Mas foi aqui que tudo começou para eles, e para mim também.

3 comentários:

Tiago Franco disse...

Por acaso os Xutos tb "comecaram para mim" no longínquo ano de 84, contava eu 7 anos, quando me emprestaram o vinil desse album (78-82) que o meu pai fez o favor de gravar numa K7 de 90 minutos e que, gloriosamente até aos dias de hoje, funciona e debita cada um dos acordes gravados no ano em que o Carlos Lopes levantou os bracos antes dos outros. Boas memórias!

Ratwood disse...

Xutos, sempre. Ao Vivo. No RRV.

o homem do estupefacto amarelo disse...

Quando morreres não levarei flores para o teu buraco...