sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O desenvolvimento do preconceito musical

Tudo me leva a crer que o preconceito musical sofre ao longo da vida várias mutações. Quando somos muito putos, manifestamos uma abertura quase total em relação a todas as formas de música, não estando ainda contaminados por quaisquer preconceitos. Esta liberdade de espírito total tem um inconveniente: a total ausência de qualquer filtro diferenciador. Assim, se eu puser a tocar um disco dos Pavement para os meus filhos (de 7 e 3 anos, respectivamente), não lhes causa qualquer estranheza este género mais independente e lo-fi, e são capazes até de cantarolar a melodia enquanto a ouvem entusiamados. No entanto, se eu a seguir puser André Sardet, eles farão exactamente a mesma coisa.

A partir de uma determinada idade, começamos a definir os nossos gostos musicais e a ganhar preconceitos. Nesta fase, o que ganhamos em filtro diferenciador, perdemos em abertura de espírito em relação a formas musicais que não se encaixam nos nossos critérios de bom gosto. Lembro-me que passei uma fase na minha adolescência bastante fundamentalista em que quase que me recusava a ouvir música que eu considerasse que não era suficientemente underground (sendo que na altura os meus padrões indie eram bandas como os Sonic Youth, os Mão Morta, os Pop Dell'Arte, os Joy Divison e os Jesus & Mary Chain).

Depois de nós termos definidos a nossa identidade musical (daquela forma ridiculamente fundamentalista), vamos então amadurecendo e desconstruindo os nossos preconceitos. Atingimos, finalmente, um equilíbrio entre filtro e abertura musical. Foi assim que eu descobri que uma data de coisas que na minha adolescência eu achava horrivelmente comercial e kitsch (como Stevie Wonder, Marvin Gaye, Prince, Duran Duran, António Variações, etc.), afinal eram muitas vezes geniais: o "Innervisons", do Stevie Wonder (a sua obra prima), o "What's going on" do Marvin Gaye, o "Musicology" do Prince, o "Rio" dos Duran Duran, etc. etc.

Em baixo, deixo-vos então um single do Stevie Wonder com um delicioso groove, que me faria vomitar por todos os orifícios do meu corpo quando eu tinha dezassete anos.

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