quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Salazar tinha razão



No outro dia, um gajo vira-se para mim, escarra para o chão e diz, a China não pode aumentar os salários e investir no crescimento do seu mercado interno, os gajos são tantos, que o planeta não aguenta. Eu achei-lhe piada, é bom um gajo aqui no ocidente continuar com o nosso american way of life (versão português suave), com não sei quantos carros e LCDs (para quando os vibradores HD?, para depois evangelizarmos os nossos irmãos subdesenvolvidos com a nossa cartilha ecologista, dizendo-lhes que não podem aumentar o seu nível de vida porque calçam o 47 em termos de potencial pegada ecológica, pelo que devem continuar a assentar o seu crescimento económico no mercado externo e nos baixos salários. É evidente que há um fundo de verdade em tudo isto, já que é impossível em termos de sustentabilidade ecológica todo o mundo ter os padrões de vida do mundo ocidental. E não falo sequer dos padrões dos Estados Unidos ou da Alemanha, falo mesmo dos padrões do nosso pobre rectângulo à beira-mar plantado: li no outro dia que se todo o mundo tivesse o nível de vida de Portugal, seriam precisos dois planetas inteirinhos para suportar a consequente pegada ecológica. Mas é claro que a pior das mentiras é uma meia verdade. E a meia verdade radica no colonialismo encapotado de muitos dos ocidentais que querem impor barreiras ao crescimento descontrolado dos países em vias de desenvolvimento, sem pôr em causa a sociedade de abundância e consumo do primeiro mundo. Porque se quisermos conciliar sustentabilidade ecológica com crescimento económico equitativo, é forçoso reconhecer, de acordo com a estatística atrás referida, que todos os países do mundo deverão ter sensivelmente o mesmo nível de vida, e que este só poderá ser de sensivelmente metado do de Portugal. O que significa que os países subdesenvolvidos terão que crescer até esse patamar, enquanto os países desenvolvidos terão que decrescer até ao mesmo patamar. É claro que nenhum partido político, seja de esquerda ou de direita, teve ou terá a coragem política para defender esta, sim, verdade, inconveniente, pelo suicídio político que esta posição implicaria. Mas a verdade é mesmo essa: riqueza e sustentabilidade ecológica nunca se deram bem. A malta bem pode propangadear as novas bandeiras da eficiência energética e da aposta nas energias renováveis, mas isso é pura demagogia: mesmo um investimento considerável em ambas pouco diminuiria a pegada ecológica, se os níveis gerais de produção e consumo não descessem consideravelmente. Pode parecer moralista mas só a pobreza (definida enquanto metade do nível de vida português actual) bem distribuída pelo mundo poderá salvar o planeta da sua total destruição. Salazar tinha razão.

8 comentários:

raviolli_ninja disse...

O teu argumento está correcto mas só em parte. Aliás, acho que tem sido esgrimido vezes sem falta desde que Copenhaga falhou, e parece-me que é uma mensagem encapotada a dizer que é festa é festa, vamos foder o planeta todo. Na verdade o planeta fica na boa, mais quente menos quente ele lá se orienta. A humanidade é que se fode toda.

O problema não reside nos 10 milhões de chineses que no próximo ano querem ter LCDs. O problema está em querermos um telemóvel novo por ano, trocar de carro de 3 em 3 anos, ou na máquina de lavar que dura exactamente 2 anos e depois avaria após expirar a garantia.

o homem do estupefacto amarelo disse...

Para assegurar a sustentabilidade ecológica e, ao mesmo tempo, a equidade no desenvolvimento, julgo que não basta atenuar a sociedade de consumo (como parece teres sugerido), mas sim pô-la em causa radicalmente. Uma coisa aparentemente tão simples como quase toda a gente no mundo ter um carro (o que não parece nada de extraordinariamente consumista), é já ecologicamente insustentável. Tive a pesquisar no Google algumas estatísticas a esse propósito. Em Portugal existem 600 automóveis por cada mil habitantes. Será que todo o mundo poderia ter esta densidade automóvel? Existem 6500 milhões de habitantes no mundo. Actualmente, existem 700 milhões de carros em todo o mundo. Mas se no mundo houvesse a mesma densidade automóvel de Portugal, existiriam 3900 milhões de carros (quase seis vezes mais carros do que há actualmente). É sabido que os carros são das coisas que mais fodem o planeta. O planeta aguentaria ter quase seis vezes mais carros do que já tem actualmente?

raviolli_ninja disse...

Não vale assustar as pessoas. É uma estratégia de tudo ou nada e que apenas vai resultar em algo como: "ah é? Então caguei, enquanto cá estivermos vamos em festa!"
Temos que nos refrear? Sem dúvida. Regressem as produções que enviámos para a China. Se as tivermos cá, podemos regulá-las à nossa vontade. Teremos mais emprego e produtos mais caros, o que talvez resultasse em menos consumo mas mais qualidade de vida.

raviolli_ninja disse...

Já agora, recuso-me a usar O Português como medida para o que quer que seja. O Português é o gajo que entope as ruas de Lisboa nos primeiros 15 dias do mês, enquanto tem dinheiro para a gasolina. Nos 15 dias restantes, vai de transportes públicos. A primeira quinzena não é qualidade de vida, é burrice (económica, social e ecológica).

o homem do estupefacto amarelo disse...

Tens razão quando dizes que apelos a mudanças demasiado radicais geram reacções de negação, sendo, por isso, completamente ineficazes. Mas o meu objectivo não era fazer qualquer apelo a revoluções ecológicas no nosso estilo de vida (até porque um gajo como eu, que vai de carro do quarto até à cozinha, não tem qualquer autoridade moral para o fazer). Estava-me a situar num plano mais abstracto, de pensar como seria, em teoria, um planeta justo socialmente e sustentável ecologicamente. E por mais que tentemos todos nós (eu inclusive) pôr a cabeça debaixo da areia e fingir que podemos continuar o festim eternamente, a honestidade intelectual obriga-nos a reconhecer que só a pobreza remediada espalhada pelo mundo permitirá que os nossos netos (e os netos dos outros) conheçam ainda (sem ser na internet) o que é uma cegonha, uma floresta ou um rio (aconselho um disco do Richard Clayderman como música de fundo para esta última parte).

Little Bastard disse...

Eh pá, bela discussão, isto parece a Cornadura do Círculo.
Aqui vai a minha colherada:
com mais ou menos manipulação estatística, concordo com o Amarelo.
Mas o problema é que toda a nossa filosofia económica assenta no pressuposto da criação de riqueza, sendo que riqueza é entendido como produtos novos que conseguimos produzir e vender. Basta ver que o PIB é o indicador sacrossanto, ou seja, diz-se que uma economia é saudável quando cresce em riqueza. Já aqui defendi que o foco devia estar na distribuiçaõ justa da riqueza existente, e não necessariamente na criação de "riqueza" nova.

raviolli_ninja disse...

Ninguém está em desacordo, apenas aponto que é preciso ter cuidado com a estratégia. Declarar que temos todos de dividir a pobreza - no entanto, percebo o que o Amarelo diz - é meio caminho andado para vários desfechos infelizes: um deles é toda a gente desistir de fazer o que seja (bem real e que já se está a assistir); o outro é dar a ideia que temos de desistir do progresso, quando a ideia é exactamente a contrária. E por último, dividir a pobreza é uma ideia que agrada a muito boa gente que gostaria de ter a mão de obra 'à chinesa' aqui mesmo em Portugal.
Conclusão: temos de facto de progredir e muito, ao ponto de ultrapassarmos a nossa concepção de riqueza.

o homem do estupefacto amarelo disse...

Caro amigo bastardo. É lamentável confessá-lo, mas concordo em absoluto contigo.