domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sex and drugs and Rock and Roll



Para alguém com uma sensibilidade essencialmente Pop, para quem os Beatles e as pastilhas Gorila constituem as referências culturais por excelência, foi com desconfiança (e com um vago interesse antropológico) que aceitei uns bilhetes gratuitos para ir assistir a um concerto de música clássica na Gulbenkian. Arrependi-me. Não pela música em si (apesar de lamentar a sua assepsia de laboratório e a sua intrínseca falta de groove) mas pelo ambiente social manifestamente fascista que reina numa sala de concertos. Dada a necessidade absoluta de concentração dos eruditos músicos e dos eruditos espectadores, um gajo tem que estar duas horas e meia eruditamente imobilizado, sem poder emitir qualquer som, e mesmo uma expressão facial é considerada excessivamente barulhenta pelos agentes da SS disfarçados que te rodeiam. É claro que uma repressão tão violenta sobre os instintos humanos mais naturais só poderia dar origem às mais repugnantes monstruosidades: os civilizados espectadores, que com um esforço sobre-humano conseguem manter um silêncio rigorosamente absoluto em todo um andamento, logo que o mesmo acaba começam todos ao mesmo tempo a tossir cavernosamente e a expelir todo o tipo de ruídos nojentos de dentro de si (uma experiência, a todos os títulos, repugnante, repulsiva e grotesca, que quase me fez vomitar), para poderem mergulhar novamente no silêncio absoluto e hitleriano de mais um civilizado andamento.
Mas Auschwitz ainda não acabou porque o civilizado espectador enfrenta ainda o complicado e angustiante problema de saber quando é que aplaude no momento certo ou quando, pelo contrário, vai ser fuzilado. É que, mandam as boas regras de etiquetas e boas maneiras, é muito feio aplaudir-se antes do último andamento. Mas sei lá eu quando é que a puta do último andamento de uma peça de um caramelo-do-século XIX-com-um-nome-extremamente-esquisito. A estratégia de sobrevivência que eu tentei adoptar foi recorrer ao mimetismo social dos mais esclarecidos, aplaudindo alguns segundos depois dos outros aplaudirem. Não resulta. Não era o único ignorante na sala pelo que aplaudi várias vezes no momento errado, à boleia dos meus camaradas igualmente ignorantes mas mais desinibidos. Claro que a senhora de casaco de peles e nariz de princesa mal disposta que se sentava à minha frente (senhora culta e civilizada) fulminou a minha plebeia pessoa com o seu olhar de hidra, fazendo uma qualquer alusão que não percebi ao programa do concerto. Olhei em redor e apercebi-me, pela primeira vez, que toda a elite de Lisboa sem excepção se encontrava lá. Amigos anarquistas, façam-me um favor. No próximo concerto de música clássica que decorrer no Grande Auditório da Gulbenkian, ponham lá no meio uma pequena bombinha que, de uma só penada, estilhace pelo ar, em pedacinhos pequeninos de carne queimada, toda essa douta e superior gente que nos tem pilhado o nosso rectângulo e os nossos bolsos ao som de Schuman e de Brahms. Mas, atenção, sejam anarquistas educados e ponham a bombinha só no final do último andamento.

5 comentários:

funafunanga disse...

No entanto, música clássica com drogas alucinogénicas é uma combinação perfeita. Ficas com a impressão de que o som está a sair da boca morta da estola de raposa da velha salazarenta à tua frente, ao ponto de lhe encostares o ouvido ao ombro para não perderes pitada. Ou metes na cabeça de que aquela música tem uma letra, que te está a ser sussurrada ao ouvido, e não resistes em cantarolar. Ou de repente, na transição para o andante, levantas-te e gritas: "FDX, o primeiro violino está a matar a mãe do Bambi e ninguém faz nada!"

Anónimo disse...

Loooooooooooooooooool

Esse comentário foi muito bom...

Little Bastard disse...

Tens toda a razão, mas isto sempre foi assim. Tal como o ténis, esse desporto pussy em que os espectadores têm de estar calados para os meninos jogarem.
Mas pior que isto é que esta atitude pseudo-educada, verdadeiramente fascista, se está a expandir para áreas até aqui relativamente livres. Falo dos concertos de rock. Rock tem de ter cerveja e cigarros, não me fodam. No Campo Pequeno não se pode fumar, mas sempre há jola acessível lá dentro (e um gajo mete-se no meio da maralha e lá vai fumando). Mas o cúmulo é o Coliseu, essa casa histórica onde papei tantos concertos memoráveis da minha vida. Para além de não se poder fumar - embora eu cague para essa proibição - também não se pode beber. Por que razão? Estraga o chão? Estraga os tapetes? Não, só dá mais trabalho a limpar. Isso sim é fascista, e faz parte da transformação deste país numa coninha de sabão bem lavadinha, mas sem piada nenhuma.

funafunanga disse...

Não se pode fumar no Coliseu??? Quer dizer que as ganzas que lá fumei das últimas vezes que lá fui eram ILEGAIS???

Gajo que vai lá com as fuças disse...

A coninha quer-se lavadinha