segunda-feira, 29 de março de 2010

O paternalismo é o fascismo dos pequeninos


Há uns anos atrás, levei o meu puto ao desfile do 25 de Abril. Para explicar a um miúdo de 4 anos o que tinha sido o 25 de Abril, simplifiquei um pouco a história e disse-lhe que antes desse dia havia um senhor muito mau que se chamava Salazar que não deixava as crianças brincarem e lhes roubava os brinquedos, o que levou o povo a ficar muito zangado, mandando-lhe cravos aos cornos para as crianças poderem enfim voltar a brincar e comerem livremente os seus macacos do nariz. Nessa tarde, enquanto descíamos a Avenida da Liberdade, o meu puto esteve sempre muito macambúzio, e ainda hoje tenho uma foto dele, com uma camisa às riscas, suspensórios vermelhos, um cravo na mão, carregando toda a tristeza do mundo nos seus pequenos olhos sorumbáticos. Já no Rossio, perguntei-lhe porque é que ele estava tão tristonho. Respondeu-me quase a chorar que não gostava do 25 de Abril porque ali não o deixavam brincar. A partir desse episódio aprendi uma enorme lição: mesmo quando tentamos ser apenas paternais, o paternalismo é sempre a mais estúpida das ideologias, na melhor das hipóteses uma forma benigna de fascismo.

2 comentários:

funafunanga (retrato do artista enquanto jovem) disse...

Um dia os meus pais também me levaram a um desfile do 25 de Abril. O que me lembro é de estar com outro puto que eu não conhecia, junto a uma estátua qualquer ao longo da Av da Liberdade (ou se calhar era na base do obelisco dos restauradores, não sei) e no pedestal de pedra, tinham representações e várias armas amontadas, sabres, espingardas, etc. E o outro puto pergunta-me: "Se pudesses escolher uma destas, qual querias para ti?". Eu estudo o arsenal, e opto alegremente por um bruto arcabuz. "E tu?", perguntei-lhe. "Eu não queria nenhuma, porque o 25 de Abril é paz". Na altura afastei-me discretamente, pensando "Roto!". Ainda não tinha idade para pensamentos auto-comiseratórios tipo "Oh, esta criança acaba de me mostrar que aprendeu a lição de Abril! Tenho de me emendar!"

o homem do estupefacto amarelo disse...

De pequenino se torce o monárquico.