quarta-feira, 5 de maio de 2010

Os abafadores


Quando andava na Preparatória da Parede, apareciam de vez em quando uns marmanjos grandes do Bairro das Marianas que, mostrando um berlinde grande designado de "abafador", nos diziam "está tudo abafado", enquanto nos arrancavam das nossas estupefactas mãos todos os nossos preciosos guelas. A questão central aqui é que, tecnicamente, não tínhamos sido ilegitimamente roubados mas sim legitimamente "abafados", já que também nós, munidos do devido abafador, também poderíamos, em teoria, abafar os berlindes aos mesmos gandulos sete vezes maior do que nós. Estranhamente, nunca o fizemos.

Vinte e dois anos mais tarde, esta curiosa figura legal do "abafamento" ainda continua a ser amplamente utilizada no nosso ordenamento jurídico. Vejamos um exemplo. Os trabalhadores portugueses recebem sob a forma de remunerações cerca de 40% do PIB. Na União Europeia este valor situa-se acima dos 50% do PIB. Segundo cálculos do economista Eugénio Rosa, se os trabalhadores portugueses recebessem a mesma percentagem do PIB que reverte, em média, para os trabalhadores europeus, cada trabalhador português receberia, em média, mais 250 euros por mês. Estes 250 euros não nos são ilegitimamente roubados, mas sim legitimamente "abafados" pelas nossas entidades patronais, no total cumprimento da lei. Em teoria, os trabalhadores portugueses poderiam revoltar-se contra a ganância dos nossos patrões (e contra o Estado, e seu aparelho repressivo, que é o seu braço armado), reivindicando uma mais justa distribuição da riqueza produzida. Estranhamente, nunca o fizemos.

4 comentários:

Little Bastard disse...

és um menino. és tão politicamente correcto que não foste sequer capaz de dizer que os gajos que te abafavam os guelas eram pretos. É que isso era parte importante para o seu poder de persuasão.

o homem do estupefacto amarelo disse...

Little Bastard, vai mas é para a tua terra.

funafunanga disse...

Na melhor das hipóteses, há quem se vingue no economato... Mas enfiar para a mochila a ocasional resma ou tinteiro ou saca-agrafos (!!), com o cu borrado colado às calças, dificilmente entra na minha definição de "abafar".

o homem do estupefacto amarelo disse...

O vale de 250 euros é moralmente teu. Faz dele o que quiseres.