quinta-feira, 3 de junho de 2010

Encerrado

Creio ser relativamente incontroverso dizer que há sectores que sofreram terríveis maus tratos nos últimos 15 anos: a saúde, a educação, a justiça, para falar apenas de alguns.

Em todos eles, os cidadãos e os agentes que trabalham nesses sectores foram tratados como meras cobaias. No caso da educação, a ofensiva tem sido gigantesca, ajudada por uma opinião pública que, por natureza, odeia os funcionários públicos e, entre estes, odeia sobretudo os professores. Não sei porquê, talvez seja trauma ou coisa assim. A esmagadora maioria dos meus professores foi muito, muito fraquinha, mas alguns dos poucos bons que apanhei tiveram um influência decisiva na minha educação.
Vem isto a propósito do encerramento, a curto prazo, de 900 (!!!!!!) escolas em Portugal. Isto foi dito pela senhora ministra, que ao contrário da outra é uma querida (sendo essa a sua única qualidade no cargo que ocupa), isto foi dito com um despudor, uma naturalidade que me confirmou, mais uma vez, que este povo aceita tudo. Estamos anestesiados, cansados, deprimidos. Já sabemos que vamos levar no cu, mais vale não nos debatermos, para que acabe depressa e possamos ir anestesiar para casa, ver o mundial no plasma novo.
900 escolas num país deste tamanho é um encerramento massivo. Não são ajustes. É encerrar metade do país. E isto é dito como se não fosse nada. Há 900 escolas cujos alunos, pais, professores e auxiliares, terão a vida afectada, por uma decisão ligeirinha do ministério.
Diz a senhora ministra Alçada que isto não é feito por motivos economicistas (é absolutamente óbvio que é). É feito, diz ela, para melhorar a qualidade do ensino. Diz que há muitas escolas que têm poucos alunos, mesmo depois de os "socialistas" terem fechado escolas em barda nos últimos anos, alegando a mesma coisa. E que muitas escolas têm pouco mais de 30 alunos, e apenas um professor. Um gajo que não percebesse nada disto, como eu, diria que a maneira de resolver a escassez de professores seria o Estado fazer aquilo para o qual recebe os nossos impostos, e enviar para essas escolas mais professores. Mas não, isto seria idiota. O remédio é fechar as escolas. O remédio é fazer as crianças estudarem a 30 km de casa, no interior, com estradas de curva e contracurva em muitos sítios. Sim, isto sim é uma boa solução. Obrigando os pais a acordar ainda mais cedo, a perder mais tempo no caminho, roubando tempo à família, ao tempo em casa, e até ao estudo. Tudo para termos escolinhas normalizadas e, claro, todas no litoral e nos grandes centros urbanos.

Isto é apenas mais uma faceta da campanha negra da destruição do interior de Portugal. Escolas e centros de saúde são para fechar. Ponto final. Esta gente não percebe que, assim, a tendência nunca mais se vai inverter. Com gente inteligente, percebia-se o problema e desenhavam-se políticas proactivas para o resolver. Dando incentivos a professores e médicos a irem para o interior, reduzindo os escalões fiscais de quem residisse nessas zonas desertificadas, por exemplo. Coisas maradas e irrealizáveis, que por acaso os países mais desenvolvidos do mundo já fazem.
Mas não, esses tipos não sabem nada. Os xuxas é que são bons.
Há lá pouca gente? Atão fecha-se aquela merda toda! O resultado? Mais desertificação e mais concentração nos centros urbanos, cuja capacidade de absorção não é ilimitada.

Isto dá força à velha conversa anti-centralista, anti-Lisboa, etc. O que eu acho fabuloso é que não há gajos mais centralistas que os gajos que vêm da província, para Lisboa. Vejam os Sócrates desta vida (e são muitos, muitos e de todos os partidos de poder): chegam cá, choram umas lágrimas de crocodilo pelo interior de onde vieram, e depois sufocam a sua existência. Para fingir que fazem algo, lá está, toca a construir uma auto-estrada até à aldeia, para alimentar alguns amigos construtores, uma auto-estrada que não vai servir ninguém, porque ninguém quer morar num sítio sem condições para si e para a sua família.

Eu, que sou de Lisboa, gosto mais do interior do que os gajos que vêm de lá para mandar nesta merda.

E volto a repetir: as pessoas de todo o território nacional são cidadãs nacionais, pagam impostos como nós e têm os mesmos direitos. Não podem ser forçados a abdicar do direito à educação e à saúde só porque escolheram não viver nas cidades grandes! Já temos gente a ir meter combustível a Espanha; a ir ao médico a Espanha; vamos ter agora gente a ir à escola em Espanha?

É isto que queremos, esta obsessão parola de "modernizar" este país nem que para isso tenhamos de o destruir?

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