sábado, 26 de junho de 2010

Sempre a descer

Nas últimas décadas, sobretudo desde o final dos anos 80, a nossa sociedade tem vindo a sofrer um empobrecimento cultural e civilizacional, inversamente proporcional ao desenvolvimento tecnológico e mediático.
É exactamente o espaço mediático o placo desta decadência. Os Big Brother, o pimba, as revistas e os jornais cor de rosa. Os programas televisivos de infotainment. A rádio formatada numa única e redutora playlist. Os políticos que só decidem tendo como pano de fundo a aceitação mediática. Os execráveis "programas da manhã". A democratização da opinião, que tem de um lado a libertação da expressão, do outro o incentivo ao disparate.
Este é um processo inexorável e que vai deixar marcas profundas nas gerações futuras. Ninguém lê. As crianças que saem das escolas saem com notas fabulosas, e sabendo muito pouco. Não conhecem a desilusão, e não saberão como lidar com ela. Os discos ou os cds deram lugares aos comodíssimos ficheiros de mp3, devotando à música a falta de atenção e carinho que deriva inevitavelmente da abundância de oferta. Não há desporto, há playstation.
Tudo isto para falar do último bastião - a par de artes como a literatura, o teatro e a dança, por exemplo - do último bastião de informação, cultura e desenvolvimento.
A comunicação social.
Li esta semana a Visão, quase de uma ponta à outra. O tema de capa era qualquer coisa como "Por dentro da seita do sexo". Era uma reportagem extensa, mais de cinco páginas, acerca de um grupo internacional ligado à meditação, ao esoterismo, à vida alternativa, ao auto-conhecimento. Já é relativamente abusivo falar de seita, mas mais abusivo é o título de "Seita do Sexo". Nas cinco páginas, a história do sexo aparece em meia coluna da última página. E não tinha sexo, apenas um ritual de simulação, como parte de um todo complexo. Mas a frase da capa era isto: "Por dentro da seita do sexo".
Houve um jornalista que foi fazer a reportagem. Escreveu a peça, viveu com aquela gente. E colocou a questão do sexo como achou que era relevante: em meia coluna na última página. Aposto que as pessoas da "seita", que acolheram o jornalista como um deles, terão ficado boquiabertos pela forma como foram retratados, naquela capa. Foi uma traição. E não do jornalista, que é responsável apenas pelo que escreve. É o trabalho de chefes, de editores e sobretudo directores, que escolhem os títulos da capa. Este título vende, sem dúvida. Mas defrauda, sem dúvida, porque não tem correspondência com o que está lá dentro.

Acontecer isto numa das poucas publicações de referência, como a Visão, é sinal dos tempos. Isto depois de o DN ter sido completamente apimbalhado para tentar travar o declínio das vendas (e sem sucesso, aliás). Resta o Público e, em áreas cada vez mais restritas, o Expresso.
A responsabilidade é de todos, e sobretudo da comunidade jornalística. Eu, enquanto profissional da área, sinto-o na pele. Já me obrigaram a mudar um título, colocando lá um conceito errado, porque se usasse a expressão correcta "os leitores não percebem".
A comunicação social perdeu a sua missão formadora, educativa. Mais vale escrever mal e dar merda, porque "é isso que os leitores querem". E, no entanto, as vendas continuam a cair, enquanto a geração actual de iupis directores de jornais, meros franco-atiradores ao serviço do dinheiro e do poder, vai enriquecendo.

Cada vez tenho mais vergonha de pertencer a esta indústria. Que tinha tudo para ser linda, mas que está apenas bruta e estúpida.

1 comentário:

Xuxi disse...

we're all trapped.sinais dos tempos my dear bastard, e infelizmente acertaste na mouche. Somos jornalistas tornados jornaleiros por forca da sede do abesteiramento-esclavagista populacional... a teoria da estupidificacao humana ganha contornos cada vez mais quadrados a medida das bestas que a alimentam...a solucao e insoluvel e para alem do mais e domingo....ia-me afogar ali mas a piscina de plastico ali no quintal nao tem profundidade; nem este comentario.