domingo, 6 de junho de 2010

Um dos nossos

Morreu o João Aguiar. Muito boa gente não o conhece, o que diz muito acerca da forma como tratamos as nossas figuras literárias. Neste mundo actual de Rodrigues dos Santos, Sousas Tavares e Rebelos Pintos, ninguém quer saber de certos gajos do antigamente, mesmo que não sejam tão do antigamente assim. Os únicos que resistem são os consensuais Lobo Antunes e Saramago, que são efectivamente os vultos maiores da literatura portuguesa.
Mas depois há tipos muito bons, como o Mário Zambujal e o João Aguiar, por exemplo.

Eu meto os dois nesta categoria, porque ambos carregam os seus livros com humor, são mordazes, lembram-me os anos 80 do "Arranja-me um emprego", do Sérgio Godinho.

O primeiro livro do João Aguiar que li foi "Os comedores de pérolas", que é relativamente atípico na sua obra. Comprei-o há uns cinco anos na Fnac do Chiado, numa daquelas séries baratuxas, o que possibilita a compra de livros só para descobrir autores, sem grande custo. Isto sim, é serviço público.

Não sabia o que esperar, e adorei "Os comedores de pérolas". Passa-se em Macau, mete um tuga exilado, tríades, mistério, mulheres, aventura e exotismo. Tudo com uma contemporaneidade verdadeira e refrescante, de quem fala o que ouvimos em Lisboa, em Portugal, na era moderna.
Depois, mais tarde, li "O Navegador Solitário", uma obra mais profunda, menos "aventureira" mas mais típica do seu estilo muito próprio. É também um óptimo livro. Já este ano voltei a ele, lendo "A encomendação das almas", que já não gostei tanto. É um escritor que deambulou entre a recolha histórica e a crítica/visão da sociedade moderna e da sua evolução (?) nas últimas décadas. O seu último livro, "O priorado do cifrão", que não li, é uma feroz crítica ao sistema actual das editoras. Um homem que, apesar de alguma indiferença do meio, fez questão de se afirmar como relevante, e sempre actual. Foi escritor, jornalista, cidadão de corpo e inteiro.

Para quem, como eu, tem na literatura muitos heróis, com o desaparecimento de João Aguiar perdi mais um deles. Levou-me em várias viagens, todas elas interessantes. Era, e é, um dos nossos.

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