quarta-feira, 21 de julho de 2010

A revisão constitucional

Sim, claramente o país tem outras prioridades.
Mudar de Governo, por exemplo.
Mas tentando esquecer este pequeno facto, vou gastar um pouco do meu precioso latim com este assunto.

É um facto indesmentível que a Constituição está datada e ultrapassada. Não faz qualquer sentido aquela treta duma sociedade a caminho do socialismo, por exemplo. E porque não do comunismo? Ou do ateísmo? Ou da social-democracia?
Não faz sentido a constituição ser ideológica até esse ponto, porque isso, em teoria, é sufragado nas urnas. É suposto as pessoas escolherem.
Eu sou de esquerda, festejo todos os anos o 25 de Abril e o Primeiro de Maio. E não me incomoda nada que da Constituição seja retirada alguma da tralha ideológica que por lá anda.
E porquê?
Porque de nada me serve ter aquilo lá escrito, muito bonitinho, e depois ninguém defender, na prática, o seu conteúdo. E é isso que acontece.

Em termos puramente politiqueiros, o PSD precipitou-se no timing. Toda a gente sabe que têm uma ideologia liberal e flexibilizante em termos laborais. É óbvio. Mas mexer na constituição não resolve, por si, nada disto. Nem a actual redacção impede, de forma definitiva, que tal seja atingido. Eu acho muito bem que se debata o que deve ser o Estado, o que deve dizer a Constituição, o que queremos para este país. Acho bem e acho essencial. Mas o PSD cometeu um erro táctico. O que eles querem fazer é para fazer à filho da puta, à Sócrates, à bruta e de uma vez. Não é andar a discutir muito filosofia, sobretudo num momento em que o povo já está tão espremido. Deviam era ficar muito caladinhos e, daqui a um ano quando estiverem no poder, foder esta merda toda. E ainda aproveitavam o embalo do estado de graça pós-eleitoral.
Era o que eu faria.
Mas o que me incomoda mais é o PS agora, de repente, vir gritar para as ruas em defesa do Estado Social. O partido que mais se esforçou para fechar escolas e centros de saúde, que incentiva indirectamente o recurso das famílias a seguros privados, que tem o maior programa de privatizações dos últimos 10 anos, etc, etc, etc, não pode vir agora com estas cantigas. Já chega. Somos parvos, mas acho que ainda não somos tão parvos assim.
Mais, acho hilariante esta reacção histérica vir de gente como Augusto Santos Silva, o homem que define o PS como a "esquerda democrática" por oposição a toda a restante, o homem que defende que o PS só pode fazer acordos à sua direita.

O PS, a coberto do seu nome - que usa abusivamente há muitos anos - tem vindo a ser o maior inimigo do Estado Social e dos direitos das pessoas. Eu percebo que, neste caso, esta reacção tem objectivos puramente demagógicos (vêm aí as presidenciais e é preciso fingir-se de esquerda para tentar demonizar Cavaco). Eu percebo que o Sócrates está fodido da vida por um badameco como o Passos Coelho estar a dominar completamente a agenda mediática, ainda por cima sabendo-se que o PSD precisa do PS para mudar a Constituição.

Eu sei isso tudo.

Mas também sei que o PS já não pode, há muito tempo, hastear garbosamente a bandeira da esquerda e do Estado Social. O PS fez a sua escolha. Agora tem de ser consequente. Ou, pelo menos, aceitar as consequências da sua escolha.

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