Faz hoje um ano que morreu o meu primo. Estava em Trás-os-Montes, fez um traumatismo craniano ao saltar um muro e a ambulância levou séculos a lá chegar. Depois levaram-no para o Hospital de Chaves, o que se revelou uma estúpida perda de tempo (numa situação em que não pode haver absolutamente nenhuma estúpida perda de tempo) porque lá não há serviço de neurocirurgia, pelo que teve que ser recambiado para o Porto. O resultado deste serviço de emergência totalmente atabalhoado foi que só seis horas depois do acidente é que o meu primo chegou ao hospital (de São João, salvo erro). Tarde demais, já estava em morte cerebral.
Se este acidente tivesse ocorrido perto de Lisboa, Porto ou Coimbra - as únicas regiões do país onde o Serviço Nacional de Saúde apresenta bons recursos - a emergência médica teria funcionado eficazmente, o meu primo teria chegado a um hospital bem equipado em menos de uma hora, teriam-lhe feito atempadamente um pequeno furo no crânio para drenar o líquido encefálico antes que este comprimisse irreversivelmente o seu tecido cerebral. Se este acidente tivesse ocorrido perto de Lisboa, Porto ou Coimbra, o meu primo estaria, muito provavelmente, vivo.
Quem matou o meu primo foi o meu país desigual. Quem matou o meu primo foi o meu país desigual onde existem cidades centrais bem apetrechadas e cidades periféricas esquecidas. Quem matou o meu primo foi o meu país desigual onde existe um litoral desenvolvido e um interior abandonado. Quem matou o meu primo foi o meu país desigual, onde existem portugueses de primeira e portugueses de segunda. Quem matou o meu primo foram todos os decisores políticos cujas escolhas foram, de alguma forma, coniventes com esta desigualdade inaceitável.
Posso perdoar muita coisa ao meu país. Mas a morte prematura da pessoa fantástica que era o meu primo, e os anos de convivência roubados às pessoas que mais o amavam - inclusive, o seu filho de sete anos -, isso nunca, mas nunca, lhe poderei perdoar.
A desigualdade mata e matou o meu primo.
Fim do post triste.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
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2 comentários:
É o exemplo dramático.
A juntar às pequenas misérias diárias a que metade do país está votado. Em nome do país modernaço do camarada Sócrates.
bom post.
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