segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A Varanda

Entre as vantagens/desvantagens de se morar num bairro típico de Lisboa é, quer queiramos quer não, fazermos parte de uma vida colectiva com os nossos vizinhos. Estava eu, há pouco, a fumar um cigarro na varanda de trás (ah poisé, agora acabaram-se os cigarros indoor), quando disparou, no andar de baixo, o stereo dos meus vizinhos. São uma série de putos, eventualmente estudantes, e a selecção sonora incluiu Green Day dos tempos do Dookie, Offspring e Nada Surf. Ao todo, foram uns 15 minutos de uma espécie de compilação de college rock, que me levou direitinho aos meus 15 anos.
Para qualquer adolescente, a música é, só, a coisa mais importante. Ou devia ser.
Parágrafo.
Quando eu era puto, a música não era só tudo: era uma forma de identificação. Era uma forma de descobrir quem era, quem queria ser, de que lado queria estar. Os meus amigos pertenciam a dois grupos: a malta que jogava à bola, e aí aparecia de tudo, e os gajos que gostavam de música. Quando eu era puto, todos os que gostavam realmente de música gostavam de boa música. Não havia ninguém realmente apaixonado pelos U2, ou pelo Michael Jackson. Quem gostava profundamente de música procurava algo que soasse a autêntico, a sofrido, a verdadeiro, a diferente. Tinha amigos fanáticos de Mão Morta, de Pop DellArte, de Young Gods e de Sonic Youth. Outros fanáticos de Doors, Janis Joplin, Hendrix, Cream e Led Zeppelin. Quando apareceu o grunge, todos os que estavam envolvidos com a música entraram alegremente a bordo. Entre a comunidade heterogénea dos amantes de música, todos começaram a ouvir e a trocar cassetes de Nirvana, Alice in Chains, Pearl Jam, Soundgarden. Pela mesma altura, Green Day, Faith no More, Cypress Hill, Censurados, Guns ou Body Count entraram também nos walkman.
E a verdade é que, chegados à escola, procuravamo-nos uns aos outros, para saber o que se andava a ouvir, se já tinham a cassete que queríamos, se dava para gravar. Havia o nós e havia o eles. Porque não era apenas música. Para mim, simplesmente não era possível ser realmente amigo de um fã hardcore de Dire Straits, por exemplo. Porque, nessa altura, a música era uma forma de estar na vida. E ou querias descobrir ou querias pastar, e eu tinha um orgulho febril em estar entre os primeiros. E foi a música que me fez sobreviver à Escola Secundária de Carcavelos, e que ajudou a moldar quem fui e quem sou hoje.
Obviamente, há muito deixei de ser tão sectário em relação às pessoas. Mas a verdade é que, de todos os meus amigos - mesmo aqueles que fiz já a trabalhar - não creio que haja um que, na adolescência, fosse fã de U2 ou de Dire Straits ou de Madonna.
De alguma forma, a matriz ficou. E a vida sabe o que faz.
Vejo a música que se faz hoje em dia, e tenho alguma pena dos putos. Não sei que raio de música de revolta andam eles a ouvir. E é essencial para qualquer puto decente ouvir música de revolta, do contra, que questione, que lute. Um puto que ouve Katie Perry ou Kings of Leon vai ser, quando crescer, um conformadinho de merda. Pode ser bem sucedido, habituado ao menor denominador comum do mainstream, mas terá uma grande tendência para ser um gajo bastante aborrecido.
Espero, no fundo, que eu não saiba nada sobre os putos de hoje, e que eles andem, de facto, a ouvir coisas boas e diferentes. Não é preciso Dead Kennedys ou Tara Perdida. Mas algo que os faça buscar, procurar e encontrar-se.
Boa semana, minha gente.

 

20 comentários:

. disse...

Caro bastard, regozijei com o teu post.
Antes de mais, parabéns pela cria, a melhor das sortes (e paciência) e goza bem os dias em casa.

Devo ser uns 3 ou 4 anos mais novo mas felizmente ainda encaixei no mesmo sistema, "os da música". Tenho um amigo que andava com um cd de Demis Roussos no carro, mas esse não conta.
Grande lembrança dos body count, que agora têm cds a 2 € na fnac. Pensei que já ninguém se lembrava deles.

Em relação aos putos, aí há 6 anos ofereci um cd de tara perdida a um puto da geração playstation, que tinha uns 15 anos na altura e a mania que era rebelde.
Era rebelde na playstation apenas. Meteu-o na prateleira e começou a ouvir HIM.

Não tenho grandes esperanças deste povo novo. Há alguns que lutam contra a corrente, mas são poucos.

Little Bastard disse...

Esqueci-me foi dos White Zombie, que durante uns tempos tb animaram a coisa

Carlos Carvalho disse...

Boa música é intemporal. Como referiste "Doors, Janis Joplin, Hendrix e Led Zeppelin", que já deviam ter uns anitos no teu tempo, a juventude pode muito bem ouvir agora "Nirvana, Alice in Chains, Pearl Jam, Soundgarden", mais o bom som que se fez até agora.
O maior problema é se as pessoas param no tempo e não procuram coisas novas,depois de deixarem de ser putos.

Mas explica lá quando apareceu a paneleirice da Brit Pop?

Anónimo disse...

Eu curto Kings of Leon, na minha perspectiva uma das melhores banda de rock da actualidade ...

Anónimo disse...

Eu curto Kings of Leon, na minha perspectiva uma das melhores banda de rock da actualidade ...

Sadeek disse...

Anónimo gosta mesmo dos "leon", hein? ;)

Cabrão do Patton é dos melhores "frontmen" de sempre. Tenho dito!!

Little Bastard disse...

Os Leon não são do pior que se faz por aí, mas são fraquitos. É demasiado música de anúncio de um Mazda, ou coisa assim. Desconfio sempre de "rebeldes" ou "roqueiros" que passam demasiado tempo em frente ao espelho. Mas enfim, que curtas e que vás sempre descobrindo mais música. Gostos cada um tem o seu.

. disse...

Eu não gosto de kings of leon. Prefiro mando diao, por exemplo. Parece-me que sabem melhor o que querem mostrar ao público.

Carlos Carvalho disse...

Ninguém ouvia os Rage Against The Machine?
Ainda agora é potente quanto mais aos 15 anos.

http://www.youtube.com/watch?v=fI677jYfKz0&feature=related

Anónimo disse...

Querido Amigo Bastardo, mil vezes parabéns por teres tido a coragem de dar ao um dos nossos, bem precisamos! Bem-vinda Alice!
Os The Walkmen são um som desgarrado!
Beijinho, Inês.

Anónimo disse...

...de dar ao mundo...
(foi do entusiasmo)

Actualmente Leitor Deste Blog disse...

Eu não quero bater no ceguinho, mas estes posts 'musicais' têm o conduto que faltava ao Amarelo e tanto me arreliavam.

Não há forma de trazer de volta o tasquiano Fatshary? Tinha umas belas prosas.

Little Bastard disse...

É Fatchary, pá. E eu digo o mesmo, mas ele anda de greve.

Little Bastard disse...

Eh pá, alguém reparou que o Carlos Carvalho disse finalmente uma coisa de jeito?!

Carlos Carvalho disse...

Naaaah, isso é um mito...

Elmano Santos disse...

É espectacular esse carlos carvalho

Alexandre Lacazzette disse...

Espectacular sou eu!

Benquista tonto que ignora que na Liga Europa também há tareias para levar disse...

Grande Lakasete!

Francisco disse...

Não sei qual é a média de idades do ppl aqui, mas também partilho um pouco: na minha adolescência, ser-se rebelde, ainda era mais complicado que nos 90's: vocês tiveram a vida "facilitada" pelo grunge, e pelo neo-punk, até mesmo em PT. Eu, nos 80's, em combate acérrimo contra os Rick Asthley's e Bros e livros do liceu forrados de recortes da revista Bravo (versão alemã, importada), aderi ao que na altura era o choque, o horror, o fim do Mundo: o Heavy Metal. Metallica (3 primeiros), Slayer, Overkill, Manowar (que me destruiram o imaginário, quando os vi pela primeira vez ao vivo... too much leather), os Anthrax, Venom, Flostam & Jetsam, enfim... Podia estar aqui a dizer quase toda a discografia vinilica, tipo o Pedro Cardoso (do extinto Blitz Metálico), que os vendia na Feira da Ladra. Noitadas no BA, regadas com litradas... Manhãs em vários jardins de Lx, apagadas com litradas...

Bom, já são 07:51, tenho que ir bulir. Abraço de Angola.

Little Bastard disse...

Caro Francisco, é isso mesmo. Eu era puto (tenho 32) mas lembro-me bem dos Bros, dos Boy George e merdas afins. E tens toda a razão, a filosofia era a mesma, só com uns anos e umas fases diferentes. Quem sabe tudo se repete com os putos de agora, que caguem para a merda do Guitar Hero e procurem o rumo na música que ouvem.
Outro abraço.