segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Naturalidade

Os resultados da eleição de hoje, com uma ou outra rara excepção, foram absolutamente naturais e esperados.
O que não quer dizer, claramente, que tenham sido positivos para o nosso país, mas isso são contas de outro rosário.
Comecemos pelos vencedores, que creio terem sido três.
Em primeiro lugar, Cavaco.
Não foi uma vitória retumbante, há que dizê-lo. Na verdade, Cavaco é eleito para um segundo mandato, à frente de 10,5 milhões de portugueses, graças ao voto de menos de 3 milhões de portugueses. Ficou à beira dos 53%, o suficiente para estar folgado, mas isto acabou por não ser completamente o passeio que ele próprio esperava. Foi, aliás, essa expectativa inicial que o levou a enveredar por uma série de disparates, quando se sentiu pressionado. De qualquer forma, com todos os candidatos contra si, não é honesto desvalorizar o facto de ter sido eleito à primeira volta e de ter ganho em todos os distritos do país. Como pontos negativos, para além do tabu BPN e da sua declaração de honestidade acima de qualquer ser do universo, fica para a história o seu miserável discurso de vitória. Centrado num "vai buscar!", de vingançazinha contra aqueles que, legitimamente, se atreveram a criticá-lo. O país ficou para segundo plano, em mais uma demonstração de que está muito longe de ser um homem com visão de Estado, apesar de tudo o que dizem os seus acólitos.
Em segundo lugar, Fernando Nobre. Vindo do nada, claramente sem talento político e com sérias dificuldades em expressar-se, acabou por fazer um grande resultado. Foi até emocionante ver que as pessoas que o rodeavam, na sua sede de campanha, estavam genuinamente solidárias com o seu líder, de uma forma que nenhuma outra candidatura foi capaz de fazer. Fez uma campanha desigual, amadora, enfim, tudo aquilo que se esperaria tendo em conta todas as limitações (inclusive as suas). Mas foi um movimento realmente humanista, e valeu claramente a pena. Fez, naturalmente, o discurso mais espontâneo da noite, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Eu gostei, porque francamente estou farto do tacticismo e da formatação monolítica da política portuguesa.
Por último, José Manuel Coelho. Teve mais de 5% dos votos, conseguindo atrair um interessante voto de protesto. Cada um tem o Tiririca que merece, e este incendiário lunático foi uma verdadeira lufada de ar fresco nesta campanha. Ninguém o conhecia fora da Madeira, e o seu resultado é mais um cartão amarelo ao sistema partidário e aos protagonistas bafientos do costume.

Depois os derrotados.
Em primeiro lugar, claro, Manuel Alegre. Ficou longe, muito longe de ter sido uma ameaça credível à hegemonia de Cavaco. Pode discutir-se se foi demérito seu ou culpa do PS ou até do Bloco. A verdade é que a sua campanha nunca arrancou realmente, nunca teve realmente ímpeto, uma onda que a levasse. Não percebeu que o milhão de votos que teve há cinco anos se deveu ao facto de, então, ter aparecido realmente como independente. Desbaratou completamente essa força - e desiludiu muito boa gente - quando apareceu a, pouco subtilmente, mendigar o apoio do PS. PS que, na verdade, o abandonou. Não é possível defender o Estado Social e aparecer de braço dado com o Sócrates. A mentira é demasiado descarada, e tinha de dar mau resultado.
Depois, outro derrotado foi Francisco Louçã. Fez um discurso algo desfasado da realidade, como habitualmente, mas importante em termos de mensagem. Piscou claramente o olho a uma grande união da esquerda, como eu nunca o tinha visto fazer de forma tão explícita. Mas tem um problema: inclui aí o PS, e o PS de Sócrates de esquerda não tem nada. Talvez noutro tempo, com outra gente, talvez isso venha a fazer sentido. A derrota estrondosa de Alegre pode atrasar muitos anos essa união, porque o PS vai ver ainda mais o Bloco como uma coisa peçonhenta. Esta experiência correu mal, o Bloco acrescentou pouco ao candidato. E poderá ainda ter alienado muitos dos habituais votantes bloquistas, que não terão gostado desta colagem aos xuxas. A seu favor, duas coisas. Primeiro, o facto de o Bloco ter estado, claramente, empenhado de corpo e alma nesta campanha. Perderam, mas não foi por falta de esforço. A segunda, a imagem do final da noite, com Louçã a confortar Alegre, quando este parecia um homem terrivelmente só. Ficou-lhe bem, essa solidariedade na hora da derrota.
Para Defensor de Moura, bastam duas frases. Uma derrota esperada de uma candidatura irrelevante e que foi, sempre, um equívoco.
Por último, para mim o grande derrotado destas eleições. Na minha opinião, foi José Sócrates.
O seu discurso foi miserável, mentiroso, falacioso, bacoco. Mestre na cara de pau, conseguiu transformar a derrota do candidato apoiado pelo PS numa espécie de vitória sua. Veja-se a sua primeira frase: "Os portugueses, com esta votação, optaram pela continuidade, pela estabilidade", meaning "os portugueses querem que continue tudo como está". O que é uma óbvia mentira, e ele sabe-o melhor que ninguém. No seu discurso, Alegre estendeu-lhe a mão e Sócrates, sentindo o beijo da morte do derrotado, limitou-se a fazer um sorriso amarelo. Esteve com Alegre o tempo estritamente necessário, mas fazendo sempre questão de não se associar muito. Saiu por outra porta, porque "nobody likes a loser".
Foi também, e sobretudo, a derrota de Sócrates pela forma vergonhosa como estas eleições se processaram, pelos motivos que expliquei no post anterior. Lamentável o que se passou, ainda mais lamentáveis as declarações de responsáveis do PS, sobretudo o inenarrável ministro Rui Pereira, tapando o sol com a peneira. Pensar que o PS, que historicamente reclama para si a democracia nacional, pactou com esta absoluta vergonha, é mau demais para ser verdade. No mínimo, exige-se a demissão de Rui Pereira. Já chega de insultos à nossa maltratada democracia.

Algumas notas finais:
1 - Inacreditável um dos repórteres da SIC, Bernardo Ferrão. Esteve toda a tarde à porta de Cavaco, a encher chouriços com empenho mas de forma ridícula, sempre a bater punhetas a prometer que, quando Cavaco saísse, ele ia na motinha da SIC a acompanhar. Who the fuck cares?! O rapazote falou da janela com os estores fechados, falou da marquise, falou dos sobretudos. Depois, finalmente na motinha, Cavaco obviamente não lhe abriu o vidro, deixando o idiota a falar sozinho. Meus amigos das televisões, dinamismo não é necessariamente sinónimo de patetice. Grow up.

2 -  Uma palavra para Chico Lopes. Não ganhou nem perdeu. Teve mais do que eu esperava e, contando apenas com os votos comunistas, teve um resultado aceitável. A campanha foi cinzenta, como ele. Mas séria, o que já não é mau.

3 - Portas, ridiculo, a por-se em bicos de pés para reclamar para si atenção e mérito na vitória, muito unipessoal, de Cavaco Silva. Fez o costumeiro apelo a uma reflexão dos partidos, dados os valores da abstenção. Seria bom se ele falasse a sério.

4 - Passos Coelho foi autor do discurso mais sereno e inteligente da noite. Foi claramente um vencedor, fingindo-se sempre que não estava em qualquer corrida. O seu discurso, replicando o de Sócrates, foi muito bom. A diferença é que ele, do lado vencedor, aparece como o magnânime, dizendo que é preciso estabilidade e que estas não foram primárias para umas próximas legislativas. Sócrates, dizendo o mesmo mas do lado perdedor, pareceu um ilusionista fajuto, desesperado e suplicante.

Disclaimer: votei Fernando Nobre.

Sem comentários: