domingo, 13 de fevereiro de 2011

Os deuses devem estar loucos

É oficial. Está tudo maluco.


As duas moções de censura, uma pré-anunciada e a outra…também, mostram o desnorte a que os nossos deputados chegaram.

Um ponto prévio importante: há ou não razões para censurar o Governo? Claro. Há ou não razões para mandá-lo abaixo? Sim, por favor.

Com isto assente, resta ver a estratégia por trás destas movimentações, e as suas consequências.

O PCP foi coerente e até um pouco anjinho. Anunciou que um destes dias ia censurar o Governo e tal, bla bla bla. Faz sentido, num partido que nunca, mas nunca, se deixou enganar pelo Socratismo. Acontece que o Bloco o ultrapassou pela direita, pela esquerda, por cima e por baixo, num afã de “look at me” que mete dó.

Porque aqui o que interessa é o Bloco. O partido que foi capaz do maior flik-flak à rectaguarda de que eu me consigo lembrar. Depois de se juntar ao PS no apoio a Manuel Alegre, tudo tinha mudado. Na noite da derrota de Alegre, Louça, bem intencionado e coitadinho, ainda não tinha acordado do sonho. Falando já depois da derrota, insistiu no projecto de união das Esquerdas, basicamente a união do seu partido com o PS. Não havia percebido, ainda, que nesse momento Sócrates esfregava as mãos de contente. Com a candidatura de Manuel Alegre, deu numa penada cabo de dois incómodos: o próprio Alegre e o Bloco, essa coisa chata e inconveniente que até queria juntar-se ao seu PS. Algo que, obviamente, Sócrates nunca quis nem nunca há de querer. Creio que não é preciso lembrar que Sócrates, sempre que precisou do apoio de alguém, foi sempre bater à porta do PSD, e nunca à da “Esquerda Radical”.

Sem querer perceber que Sócrates nunca lhe daria a mão, o Bloco andou perdido. Com o PCP a “cavalgar” a crise nas ruas, o Bloco continuava na posição ambígua de ser contra mas também a favor. Mais, fazendo a ridícula figura do noivo deixado plantado na igreja. Nisto, o BE foi o Manuel Cajuda da política portuguesa, que refere sempre estar disponível para treinar o Benfica (que obviamente não quer saber dele para nada).

No sábado, Louçã diz que a moção de censura do PCP não tinha qualquer utilidade prática e que não era o momento de entregar o poder à Direita. Dois dias depois, surge com moção de censura própria.

Que raio aconteceu nesses dois dias? Será que apanhou Sócrates na cama com outro? Não sei. Mas foi suficiente para o BE enveredar pela maior contradição da sua história.

Depois, uma coisa ficou clara. Em qualquer uma das moções de censura, com BE e PCP votando a favor, pela primeira vez a queda do Governo estaria nas mãos do PSD. E, claro, se o PSD votasse a favor, toda a gente sabe que o PP também o faria, já a piscar o olho à futura e inevitável coligação governamental.

Mas, assustado com isto, o BE voltou a meter os pés pelas mãos. Afinal, a moção de censura também é contra o PSD, com o BE a inovar a Constituição com a criação da figura de moção de censura contra um partido da Oposição. Ou seja, depois de tanto disparate o BE apercebeu-se que, se calhar, até ia ter, pela primeira vez, um papel relevante na política portuguesa, contribuindo para a queda do Governo. Ora relevância é coisa de que o Bloco foge a sete pés. Como tal, o que fazer? Simples, atacar também o PSD na moção de censura, não correndo, assim, o risco de que esta viesse a ser aprovada. Ufa.

Com esta moção “a la minute”, o Bloco queimou, de forma surpreendente e irremediável, qualquer hipótese de um dia vir a juntar-se com o PS. Foi uma atitude simples: deixar de alimentar um sonho longínquo e de quase impossível realização que lhe ia comendo o eleitorado. A opção foi voltar ao bom velho Bloco, numa simples tentativa de estancar a erosão do seu eleitorado, que estava a ficar muito desconfortável com o namoro pouco discreto ao PS. Com estas manobras, o Bloco hipotecou a sua possibilidade de relevância máxima (vir um dia a fazer parte de um Governo) mas assegurou que não perderá a sua relevância mínima (o seu eleitorado típico).

Como é óbvio, mesmo que qualquer uma das moções não atacasse o PSD, este nunca as votaria favoravelmente. Vive-se uma discussão estéril à volta disto. O PSD nunca daria ao PS esta arma, de chegar a eleições antecipadas através de uma iniciativa de BE ou PCP. Para quem gastou tanta energia a fingir-se de responsável, seria suicídio político.

Assim, o que vai acontecer é uma abstenção do PSD, que se tentará assim manter como o partido “responsável” e com “sentido de Estado”. As moções não vão dar em nada.

Ainda assim, estas iniciativas só servem o PS.

Desde que as sondagens passaram a dar o PSD como primeiro e desde que a crise da dívida nacional de agudizou, a estratégia de Sócrates, bem alicerçada no marketing político, tem sido apenas uma: mostrar-se como o guardião da estabilidade do país, como um patriota. Os outros, que estão preocupados com o poder, são anti-patriotas, e ao atacar Sócrates estão a atacar Portugal. Simples, eficaz e mais do que suficiente, para engrupir esta turba de mentecaptos que votou duas vezes em Sócrates para Primeiro-Ministro.

Este ataque ao Governo, no momento em que paira sobre nós o espectro do FMI e em que os juros batem máximos sucessivos, cai que nem uma luva no colo de Sócrates. O discurso vai ser, ainda mais, o do PS como responsável e bastião da estabilidade; os outros, os que atacam, são irresponsáveis que querem o poder a qualquer custo.

E é assim, com estas borlas de marketing que a Oposição lhe oferece, que Sócrates se vai mantendo no poleiro. O homem já mostrou que nunca vai largar o osso, nunca vai desistir. Quem o subestimar vai ter grandes dificuldades em roubar-lhe a bicicleta. E tudo fica mais difícil quando lhe dão armas como estas.

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