sexta-feira, 29 de julho de 2011

Bullshit

A malta gosta de bater nos políticos, e eu também. Mas, quando pensamos que, neste campeonato, estamos muito mal servidos, basta olharmos para o que se passa nos EUA para percebermos que há pior.
No momento em que escrevo, estamos a quatro dias de podermos assistir a um default soberano dos EUA. Ou seja, os EUA não conseguirem pagar as suas dívidas.
Ponto.
E porquê?
Por causa de uma birra política.
A questão é simples.
Obama quer aumentar o valor legal de endividamento permitido, que está inscrito na Constituição. E quer também aumentar os impostos sobre os ricos, para ajudar na despesa. Os republicanos acham que os democratas, esses perigosos esquerdistas, são uns esbanjadores de dinheiro. Querem menos Estado, porque estão convencidos de que a assistência prestada por este só serve para desincentivar as pessoas de lutarem para melhorar as suas condições de vida. Por outras palavras, não se pode tirar dinheiro aos ricos para dar aos pobres, porque os ricos são ricos porque se esforçaram por isso, e os pobres são pobres porque não se esforçaram. O american dream na sua essência.
Sem o acordo dos republicanos, não é possível alterar a lei. Sem alterar a lei (o que foi feito mais de 100 vezes no século XX) os EUA não podem emitir mais dívida. Se não emitirem mais dívida, não conseguem dinheiro para pagar os gastos do Estado ou a dívida que vence e que terá de ser paga.
Com uma agravante. O maior credor dos EUA são a China. Falhar o pagamento à China seria não apenas uma humilhação económica dos EUA: seria dar aos chineses um imenso poder sobre os EUA, no limite equivalente ao que a troika tem hoje em dia sobre a Grécia.
Caso haja um default, há analistas que acreditam que o seu efeito psicológico sobre os mercados seria mais devastador do que a falência da Lehman Brothers, da Grécia, de Portugal, da Irlanda, da GM, da AIG. Só que tudo junto, no mesmo dia.
Perante isto, por que raio os republicanos estão tão intransigentes?
Simples: porque estão nas mãos dos energúmenos do Tea Party, uma facção ultra-radical de extrema-direita que tomou de assalto o partido republicano. Não são maioritários dentro do partido, mas são tão populistas e tão extremos que fazem todos os outros parecerem esquerdistas. No partido republicano, Obama é visto como o demónio, e ninguém quer ser visto como brando ou colaboracionista para com ele. Por isso, na prática, o Tea Party manda no partido. Sendo que os tipos mais inteligentes e moderados do Tea Party fazem a Sarah Palin parecer uma senhora ponderada e inteligente.
Os EUA têm dinheiro em cash para pagar despesas até terça-feira. Depois disso, ninguém sabe. E perante este panorama de possível cataclismo financeiro - do qual incompreensivelmente as televisões não falam, talvez porque não o percebem - o que fazem os políticos? Bluff e brincadeirinhas de criança.

Resta-me só fazer uma pergunta.
Nós somos lixo, mas não falhámos qualquer pagamento.
Os EUA podem entrar em default já na terça-feira, o que já foi admitido publicamente, e com cada vez mais desespero pelo próprio presidente Obama.
Como tal, como raio pode este país ter, neste momento, um rating de AAA, o máximo possível?

PS - nos EUA, os republicanos e a Fox News aboliram a expressão ricos. Não se pode dizer "impostos sobre os ricos", mas sim "impostos sobre os criadores de emprego". A perversidade da semântica.

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