Ao contrário do que aconteceu naquele inesquecível dia de Março, desta feita não pude comparecer à manifestação, por motivos familiares. Foi-me impossível, portanto, aferir in loco do tom e do grau de adesão do protesto, mas do que me foram informando a coisa foi, mais uma vez, em grande.
E que importante isso era...
Mais uma vez, tal como aquando da primeira manifestação, a imprensa ou ignorou por completo o assunto nas últimas semanas, ou simplesmente fez umas coisas toscas, não sabendo como tratar este tema. É, infelizmente, normal que assim aconteça. As televisões e os jornais portugueses chegaram a dar mais espaço ao movimento de Wall Street do que ao movimento de Lisboa. Na quinta-feira, quando Passos Coelho nos enfiou mais um bastão de baseball pelo cu acima (substituir por poste de electricidade se for funcionário público ou equiparado), aí a comunicação social acordou. Porque percebeu que, obviamente, os protestos de hoje contariam com um grande reforço dos funcionários públicos, os mais encavados pelas novas "medidas de austeridade".
Curiosamente, as jornalistas televisivas que acompanhavam o assunto disseram o mesmo: manifestação contra as medidas de austeridade do governo e da troika. Mas isto é só uma pequeníssima parte da verdade, e nem sequer a mais importante. Esqueceram-se, por exemplo, que na grande manifestação cívica de Março não havia troika; não havia ainda "medidas de austeridade"; e até o Governo era outro, o cadáver político de Sócrates que se recusava a sair pelo seu próprio pé.
Reduzir o movimento a protesto contra as "medidas de austeridade" é perigoso e é não perceber patavina. Não perceber que a questão não é de agora, não é "destes": é do sistema que nos fez chegar até aqui, e de vermos que todos são abalados, espoliados e agredidos, menos os agentes deste sistema. É não perceber que este protesto se filia, de alguma forma, num movimento internacional, de Madrid a Nova Iorque (misturar aqui o Egipto é um disparate), sendo que, do que sei, Obama não aprovou nenhum pacote de "medidas de austeridade". O discurso televisivo, sobretudo o nosso, é infelizmente básico e simplista, assente no princípio de que todos os espectadores são mentecaptos. Mas há disparates que não são apenas uma simplificação forçada: são mentiras.
Depois, houve a cobertura (?) noticiosa dos meios que podiam fazê-lo em directo, rádios e televisões. A TSF e a Renascença andavam entretidos com o importantíssimo relato do Pero Pinheiro - FC Porto, a Comercial dava na música foleira, como sempre. Nas televisões, um panorama que devia envergonhar os seus responsáveis. Durante a tarde, o que passou? Enlatados! O "60 minutes" na Sic Notícias, um documentário na TVI 24, uma merda qualquer na RTP N. O acompanhamento ficou reservado para uma ligação em directo às horas certas, nos noticiários. Pergunto: de que serve termos três (!) canais de notícias 24 horas quando se ignora o acontecimento mais importante do dia, para dar documentários sobre a Indonésia ou os nazis nos EUA? Não faço ideia.
E, mais uma vez, não faltou quem insistisse não apenas na desvalorização do movimento mas sobretudo na sua desacreditação. A principal crítica, igualmente estafada, é a de que os protestantes não propõem nada; não apresentam alternativas viáveis; uns protestam uma coisa, outros outra; é um movimento que não terá expressão política, porque se coloca à margem da política partidária; é um movimento em si anti-democrático, representando a voz da perigosa extrema-esquerda.
Estas visões não passam, para mim, de um amontoado de preconceitos bem condimentados de conservadorismo.
É gente que não percebe que, se as pessoas não quisessem ser parte da solução, simplesmente não fariam nada, como aconteceu até este ano. Não percebe que não são as pessoas que têm de se aproximar e misturar com esta "política partidária", com este sistema; é o sistema que era suposto existir para nos servir, que tem de se aproximar das pessoas. É por isso que escolhi esta foto para ilustrar o dia de hoje. Porque diz, na sua simplicidade, o que acredito ser o mais importante a retirar destes protestos.
Para mim, o que fica de fundamental é o acto de as pessoas, muitos milhares de pessoas, sentirem que querem ter voz. Que a política não é só para os outros, os que nos têm fodido. Neste momento duríssimo que atravessamos, é absolutamente fundamental que as pessoas não se sintam sós. Que entendam e sintam que têm outros do seu lado. Porque das autoridades tudo o que sentem é agressão, desprezo e incompreensão. Mais do que as propostas concretas (umas mais disparatadas que outras), o fundamental é que passemos a mensagem: não vamos mais aceitar ser sempre vítimas e bodes expiatórios de algo que, francamente, não foi causado por nós.
E esta é uma mensagem simples mas poderosíssima.
E será um erro se não a quiserem ouvir.
O meu abraço solidário a todos os que, nas ruas, fazem a luta de todos.
sábado, 15 de outubro de 2011
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2 comentários:
Estive lá em representação institucional do tasco.
Eu estive na manifestação, estive na assembleia popular que se seguiu, estive na assembleia popular de ontem. Nao posso deixar de me sentir orgulhosa e comovida pelos milhares de pessoas que lá estiveram, uns para ouvir outros para ouvir e falar. É importante que percebam que basta, que estamos zangados e nao dispostos a viver escravos de uma condição que nos é imposta e nao percebemos inteiramente a sua por que motivo. No entanto, nao podemos cingir nos a estar contra tudo. É preciso haver medidas, ideias. Vontade já todos provamos que existe portanto deixemos de criar grupos de trabalho para novas manifestações, flash mobs e afins. Precisamos de canalizar esta vontade, estas vozes para algo construtivo. Façamos grupos de trabalho com o intuito de criar medidas alternativas, para que deixem de olhar para nós como um grupo de anarquistas que está contra tudo e a favor de nada. E sim, nao será facil, mas recuso me a cruzar os braços e conformar me. Os senhores do estado têm de perceber de uma vez para sempre que trabalham para nós, que a sua responsabilidade e obrigação e servir nos e nada mais que isso.
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