quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Pública inocência
Leio vários jornais por obrigação, mas o Público é o meu jornal preferido.
Mas desta vez, estampou-se, com a história de Cavaco Silva.
A manchete rezava "Cavaco aposta em maioria absoluta de Sócrates" e agitou dois dias de campanha, em que não se falou de nada de relevante.
Abrindo o jornal, a notícia ocupa nada menos que uma página inteira. Leio, leio, leio, e em nenhum sítio se percebe de onde saiu a informação que possa sustentar o título da manchete. Não só não há fonte, ainda que fosse não identificada ou "pessoa próxima de", como tudo o que se refere ao título é uma especulação pegada.
Diz o Público que Cavaco sempre foi defensor das maiorias absolutas. Diz ainda que Sócrates é o único em posição de conseguir. Logo, um mais um são dois, e "Cavaco aposta em maioria absoluta de Sócrates".
E quem diz isto? Não Cavaco, que não foi tido nem achado na notícia; não alguém próximo de Cavaco, que possa saber o que ele quer; não um porta-voz político de Cavaco, que não aparece citado em lugar algum.
Quem o diz é o próprio Público, ou as jornalistas que escreveram a notícia, quiçá na posse das capacidades adivinhatórias do falecido professor Zandinga.
Como está escrita, a notícia só pode ser uma de duas coisas: ou pura incompetência ou uma notícia encomendada. Nada mais.
No dia seguinte ao estouro da bronca, o Público volta à carga, procurando desmentir o desmentido de Cavaco, sim, claro, porque se há alguém que sabe o que Cavaco pensa é o Público, ainda mais que o próprio!
Recuando ligeiramente, o Público precisa que aquilo é o que Cavaco pensa mas não pode dizer. Ah!
Já hoje, três dias depois de um erro infantil ou uma missão política, o Público finalmente dá a mão à palmatória. Reconhece que "fez uma má escolha do título de capa ao optar pela expressão "aposta em", expressão ambígua a meio caminho entre o "prevê" e o "apoia".
Esta é a pior desculpa de todas as possíveis. Em vez de reconhecer que fez uma notícia incompetente ou um frete (este último que nunca poderia admitir), tenta distrair a atenção com a expressão utilizada, que é tudo menos inocente.
Quem sabe como são feitos os jornais em qualquer parte do mundo, e sobretudo com temas quentes, sabe que aquele título foi ou deveria ter sido discutido até à exaustão, e não é um erro inocente a utilização daquela palavra "aposta".
Não foi mais que uma cedência à tentação de fazer um título mais "sangrento", que chamasse mais a atenção, como qualquer pasquim de quinta categoria.
Depois de ter feito manchete com uma opinião, a pseudo-vitória de Santana no debate, o Público volta a dar um tiro no pé.
Infelizmente acontece a todos, mas o mais grave de tudo é a lentidão e renitência demonstrada pela direcção do jornal em admitir o erro. Evidente e grave.

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