Hoje, de manhã, encontrei outra vez a mesma senhora simpática de mala amarela à beira da estrada, que todos os dias encontro no caminho para o trabalho. Enquanto olhava para a subtileza do seu decote (quase me espetando contra um outdoor do MMS), ocorreu-me a seguinte questão filosófica: haverá algo intrinsecamente imoral na prostituição? Toda a inutilidade desta posta será dedicada à puta desta questão.
A minha resposta é um peremptório não. Não há nada de intrinsecamente errado no trabalho sexual. Todos os problemas que lhe estão frequentemente associados não derivam da sua essência.
Entendo prostituição enquanto uma profissão baseada num contrato livre entre um(a) profissional que aluga o seu corpo durante um determinado período de tempo para os fins sexuais acordados e um cliente que usufrui desse serviço pagando a remuneração acordada. Gostaria de destacar o elemento mais crucial da definição: o facto de toda a transação decorrer de um acordo entre duas vontades. Existindo o acordo (isto é, não existindo coacção), então cada pessoa é soberana sobre o seu próprio corpo, fazendo dele o que quiser. O importante é que em momento algum sejam violados os limites do acordo. Se toda a gente acha perfeitamente legítimo alguém alugar o seu corpo a um patrão, carregando tijolos em troca de uma remuneração acordada, por que raio é que tanta gente utiliza um critério diferente em relação ao aluguer de um corpo para fins sexuais, quando ambas as situações são legitimadas por um acordo entre as partes?
Essa tanta gente costuma argumentar que a sexualidade não é exactamente a mesma coisa do que carregar tijolos, que há algo de intrinsecamente sagrado neste campo que torna proibitiva a sua mercantilização. O contra-argumento é poderoso, já que reconheço que carregar tijolos e fornicar não são a mesma coisa (e confesso que a minha preferência recai sobre a segunda opção). Mas o facto de eu preferir tiras de milho a batatas fritas não quer dizer que eu não tenha o direito de comer ambas. O contra-argumento utilizado por-quem-não-gosta-de-putas-nem- pintadas ainda não satisfaz porque pede sempre uma questão suplementar: de onde advém o carácter intrinsecamente sagrado da sexualidade?
As respostas são diversas, mas podem essencialmente ser classificadas em dois grandes grupos: respostas religiosas e não religiosas.
Os argumentos de tipo religioso radicam sempre em algo deste género:
Se "toda a sexualidade que decorre fora do santo sacramento do matrimónio ou que não vise a procriação incorre no terrível pecado da fornicação",
E se "a prostituição decorre fora do santo sacramento do matrimónio e não visa a procriação".
Então, segue-se a inevitável conclusão lógica de que "a prostituição incorre no terrível pecado da fornicação".
Claro que o erro deste raciocínio reside na fragilidade da primeira premissa. Primeiro, porque formula um princípio só aplicável a crentes, não oferecendo nenhuma razão válida para que os ateus também se rejam pelo mesmo. Depois, porque até os próprios crentes (talvez a maioria) são suficientemente inteligentes para desconfiar dos dogmas religiosos que lhes parecem francamente insensatos.
Rejeitada a versão religiosa da sacralização da sexualidade, depositemos ainda a esperança na sua congénere ateia, que se formula através de qualquer coisa como isto: "A sexualidade é sagrada porque expressa o que há de mais íntimo no ser humano: os afectos, o amor, a paixão. Os afectos não se podem transacionar porque não são mercadorias. O amor não se pode alugar porque seria destruído no processo de aluguer". Há, é claro, um fundo de verdade neste argumento: o amor, uma vez que se trata de algo espontâneo, não é passível de ser comprado. Mas não há nenhuma essência universal da sexualidade. Cada qual fornica pelas suas razões, uns por amor, outros porque cumprem o dever conjugal, outros porque visam a procriação, outros pela simples tusa e nada mais, e, outros porque simplesmente podem tirar proveitos económicos disso e além disso ainda satisfazer a tusa de outrem (e, com um bocado de sorte, também a sua própria). Não há sexualidades morais e outras imorais, da mesmíssima forma de que não há penteados morais e imorais (a não ser, é claro, o da Margaret Thatcher).
O mundo da prostituição é muitas vezes feito de abusos, coacções, violações, desrespeitos, chulos sem escrúpulos, aproveitamento da pobreza, estigma, doença e desprezo. Mas nem um só desses males decorre da essência da prostituição, e todos, sem excepção, são alimentados pela condenação moral, ilegalização e desregulação que todos nós impomos à profissão precária mais velha do mundo. As putas somos nós.
11 comentários:
Concordo inteiramente com o teu argumento, apesar de saber da dificuldade que é pensar na prostituição sem toda a exploração e o degredo que lhe estão associados. É que, diga-se em abono da verdade, a ideia de uma essencia universal da sexualidade, livre destes constrangimentos foleiros, não existe fora da metafísica. Mas se é de ideários e morais que estamos a falar, então não posso estar mais de acordo com esta posta.
Ó Homem, traz-me masé uma pomada para ver se este esquentamento se vai.
Já estiveste a falar melhor, pá.
chamarem-me?
bono? És tu, meu sacana?
Yea, my dear, sou eu mesmo, o ganda Bono Vox!
Olha, Ganda Bono Vox, então aproveita e esfrega-me aqui umas pomadas e faz-me um Ganda felatio
Caro anónimo,
Concordo que me centrei demasiado em pensar a prostituição em abstracto. No entanto, no final da posta fiz uma referência sumária aos problemas concretos associados à prostituição e à forma concreta de os atenuar: legalizar a prostituição, considerá-la formalmente como uma profissão como outra qualquer, sujeita aos mesmos deveres (como pagar impostos) e aos mesmos direitos (nomeadamente sindicalização, segurança social e medicina do trabalho).
Nunca recorri a prostitutas em abstracto.
Eu cá gosto de acabar o serviço com umas mangueiradas à Pollock.
As putas são as flores deste lindo país.
Enviar um comentário