quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Manual de Sobrevivência de um Opinion Maker

Finalmente descodifiquei o pensamento do Miguel Sousa Tavares, do Vasco Pulido Valente e do Miguel Esteves Cardoso e, por arrasto, de grande parte dos opinion makers. Por definição, um fazedor de opinião não se pode limitar a reproduzir a opinião dominante, tem que fazê-la. Acontece que criar perpetuamente novas ideias relevantes sobre a espuma dos dias a um ritmo diário ou semanal é estupidamente difícil, mesmo para o génio de um Miguel Esteves Cardoso. Para sobreviverem nas condições adversas deste habitat, os opinion makers são obrigados a desenvolver estratégias comuns de economia do pensamento. Não os condeno: seres vivos com estratégias pouco económicas de sobrevivência costumam ser espezinhados pelos seres vivos com estratégias mais económicas de sobrevivência. Aqui não há moral, há apenas a lei do mais forte. E foram estes espécimes, e não outros, os sobreviventes.

A fórmula é surpreendentemente simples. Consiste, numa primeira etapa, em pensar qual a opinião que uma pessoa sensata e inteligente teria sobre o assunto a opinar; para, numa segunda etapa, defender a opinião exactamente oposta, realçando as fragilidades da posição sensata e omitindo as suas forças.

Concretizemos um pouco. Vamos imaginar que o Vasco Pulido Valente queria discorrer na sua coluna do Público sobre a reivindicação dos monárquicos em se referendar o regime republicano.

Etapa 1. Uma pessoa sensata e inteligente diria o seguinte:

"A monarquia é intrinsecamente antidemocrática, porque: (a) viola o princípio da igualdade, uma vez que só os membros de uma família podem aceder ao poder real; (b) viola o princípio da soberania do povo, uma vez que o rei não é escolhido pelo povo, mas pelo seu sangue; e (c) viola o princípio da transitoriedade do poder, uma vez que a família real se eterniza no poder por sucessão dinástica. Deste modo, não faz qualquer sentido referendar-se numa democracia a transição para um regime manifestamente menos democrático. E, mesmo que fizesse sentido, os votos residuais no PPM devem ser lidos enquanto um referendo implícito à monarquia. Um referendo explícito sobre esta matéria seria um enorme desperdício de dinheiro e, sobretudo, de agenda política: há centenas de assuntos bem mais relevantes do que este, que merecem entrar primeiro na apertada agenda política da nossa democracia."

Etapa 2. Vasco Pulido Valente defenderia o inverso desta posição sensata e inteligente (omitindo as suas forças e realçando as suas fraquezas), escrevendo qualquer coisa como isto:

"Antes de 1910, existia uma monarquia parlamentar com eleições livres e um sistema pluripartidário. O Partido Republicano candidatou-se sucessivamente a eleições livres e o povo português escolheu sucessivamente que que não o queria a governar o país. Em democracia existem vias políticas não violentas para aceder ao poder, através do voto, pelo que não é legítimo recorrer-se ao método violento da revolução. O golpe de estado de 1910 não teve, portanto, qualquer legitimidade democrática e criou um precedente grave, tornando aceitável o golpe de estado fascista que ocorreu dezasseis anos depois. Só um referendo a esta questão permitiria à República reparar o seu pecado original e refundar-se sob uma base democrática."

Já testei esta fórmula com mais de cem opiniões, revelando-se sempre infalível. Se algum cliente do tasco encontrar algum exemplo em que esta fórmula não resulte, garantimos a devolução integral desta posta inútil.

4 comentários:

raviolli_ninja disse...

Confirmo. Se bem que o MEC hoje em diz goste mais de falar da sua pré-reforma burguesona, dos visques que lhe passam pelos lábios e dos bisturis que lhe passam no recto.

raviolli_ninja disse...

*dia

papousse disse...

Tenho dificuldade em chamar génio ao MEC. Foi-o, sem dúvida, nos idos de 80 e 90. Depois secou bastante, conforme aliás muito lindamente reconhece. Tal não significa que já não escreva como poucos ou que não continue, aqui acolá, a marcar o seu belo golito literário de meio-campo. Como este, bem destacado há tempos pelo Pedro Mexia:

"Não sei se é permitido discutir o aportuguesamento da palavra [hostel], neste clima orates de fascismo ortográfico. Não quero usar uma combinação de letras que esteja proibida ou fosse mal entendida em Pernambuco. Já há para aí correctores neo-ortográficos à venda: Não há na Terra coisa que menos gostasse de comprar. Ser-me-ia mais aliciante enterrar o meu dinheiro todo numa máquina que extraísse o sabor aos pêssegos."

Não é para todos.

o homem do estupefacto amarelo disse...

Mesmo na sua fase de Elvis Gordo, o MEC continua a ser o conservador-elitista-monárquico mais brilhante do reino.