sábado, 31 de outubro de 2009

O dia da saia


Domingo, fim do mês, 16h29, o filme está prestes a começar, já estou a 40€ negativos na minha conta-ordenado, felizmente a minha carteira parece a de um arrumador de carros do Príncipe Real, conto moeda a moeda e descubro feliz que tenho exactamente os 11€60 que são precisos, dois bilhetes para o dia da saia, se faz favor, desculpe, mas são 12€60, há uma taxa adicional de 50 cêntimos por bilhete porque o filme é projectado numa sala Vip, filhos da puta, entretanto já são para aí 16h32, lá vou eu ter que pagar por cartão, pagando mais juros aos cabrões dos agiotas do meu banco, em mais uma justa transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos, taxa robim dos bosques ao contrário, cabrões do caralho, e lá descemos amuados para a dita sala Vip, olho para o bilhete para ver o número da sala, mas a funcionária da sala Vip diz que é aqui, comento, deve ser adivinha, responde, não, trabalho aqui, depois deste personalizado atendimento Vip, entramos numa sala minúscula com para aí 16 lugares, sentamo-nos de facto em cadeiras mais largas e mais confortáveis, mas é impossível deixar de pensar que o cabrão que fez o plano de negócios dos cinemas das Amoreiras teve que recorrer à taxa "roubar 50 cêntimos a estes papalvos" para que salas tão minúsculas tivessem a mínima rentabilidade financeira, adiante, as apresentações já começaram a muito, e pouco tempo depois rendi-me por completo à sala Vip, primeiro pela magnífica curta-metragem portuguesa, deus não quis, um filme potentíssimo de denúncia à guerra colonial, sem recorrer a um único diálogo, depois pela esplêndida longa-metragem, o dia da saia, com a esplendorosa Isabelle Adjani, filme quase todo passado dentro de uma sala de aula de uma escola nuns subúrbios complicados de Paris, com uma horda de alunos desmotivados, indisciplinados, insolentes, agressivos e alguns já delinquentes que desqualificam e humilham diariamente uma professora à beira dos seus limites, já encharcada em anti-depressivos, até que, na confusão da entrada desordenada na sala de aula e numa disputa de uma mochila, uma pistola cai ao chão, a professora em pânico pega na arma para a entregar ao reitor, e o dono da arma intimida-a para ela a devolver, e é partir daqui, que a professora, já há demasiado tempo no fio da navalha, descompensa por completo e pela primeira vez na vida consegue dar uma aula normal, apontando a arma à cabeça dos alunos cada vez que estes não são colaborantes, repondo com a pistola a autoridade impossível de a ter sem a mesma, estamos ainda no princípio do filme e mais não conto para não vos estragar aquele que para mim foi o grande filme de 2009, completamente ignorado por todos os holofotes, todos eles dirigidos para pseudo-polémicas ridículas como a do último livro do Saramago, manual de maus costumes são os media que temos que sobrevalorizam o acessório e ignoram o essencial, desprezando por completo um filme inteligente que não só nos prende do primeiro ao último segundo, pela sua tensão permanente, e pelo contágio para o espectador da ansiedade e claustrofobia de todos os personagens, cada um à sua maneira no fio da navalha, como obriga o espectador a pensar sobre as relações complexas que existem entre escola, problemas sociais, media e política, em que muito injustamente a escola, como diz um dos personagens, é encarada por todos como um penso rápido para problemas sociais que a transcendem por completo, foi bem justa afinal a puta da taxa Vip

2 comentários:

Little Bastard disse...

Só vejo filmes da Adjani até ela fazer 35 anos. Era bem boa, a gaija, agora está mais estragadita. Posto isto, a história é irrelevante.

Anónimo disse...

e tentar ler o post só a respirar nos pontos finais?