quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Música

Quando és um puto suburbano e andas na escola, a música é, muitas vezes, tudo aquilo que te pode distinguir, que te pode levar para outro lado qualquer. Os putos fazem todos o mesmo, vão para a escola às mesmas horas, têm os mesmos professores, querem comer gajas mas não sabem como e têm medo de falhar, querem jogar melhor à bola, querem não ser o puto que fica por baixo se houver porrada no intervalo,  querem perceber que raio andam ali a fazer e o que esperam deles e como raio se conseguirá lá chegar.
Nesses tempos, a música é o que te distingue (para uns poucos é o skate ou o futebol, para mim era também a literatura). É aquilo que te faz perceber de que lado estás, quem está contigo. É aquilo que, de cada coisa que descobres, te leva a descobrir mais um pouco de ti próprio, daquilo que poderás ser, ao que estás disposto, de tudo o que podes vir a conhecer e experimentar, um dia.
Comigo foram os Xutos, os Doors, Led Zeppelin. Mão Morta, Censurados, Jorge Palma. Faith no More, Alice in Chains, Pearl Jam e Nirvana. Os Doors levaram-me ao Jack Kerouac, que me levou aos beats, que me levou a toda a fabulosa literatura americana do século XX. E em todos esses momentos, enquanto caminhava para a escola sonhando com o dia em que teria um walkman, ia-se desenhando na minha cabeça uma paisagem mental diferente da de todos os outros. A banda sonora da minha vida acompanhava-me a todas as horas, e mudava enquanto eu mudava, crescia e transformava-se, no meio de todos os medos e todas as incertezas e todos os traumas.
E é por isso que desprezo, moral e intelectualmente, os desgraçados que têm os U2 como a sua banda preferida. Esses eram os tipos que, nessa altura, não tinham nenhuma paisagem mental que os distinguisse. Eram a verdadeira carneirada, e é o que continuam a ser hoje, atropelando-se em frente às câmaras de televisão enquanto vomitam expressões como "eles dão sempre um grande espectáculo".
Estou de férias esta semana, e os meus dias têm sido preenchidos de televisão desligada, ao som de jazz, tangos, boleros, grunge e punk, krautrock e ópera.
Se há algo por que posso estar grato, é por ter amor à música e à literatura. E porque não teria sobrevivido ao liceu se assim não fosse.

4 comentários:

papousse disse...

Se, hoje, não hesito em catalogar os fãs de U2 como seres acríticos, já não o faço em relação aos admiradores que a banda tinha até meados dos anos 90, porque continuo a reconhecer valor à sua discografia de então.Sem nunca ter sido propriamente um fã, admiro todos os álbuns de U2 até ao Achtung Baby. A partir daí, o Zooropa e o Pop não são bons nem maus, e depois disso só temos muita merda e nem um nome de álbum sequer na minha memória, tirando o último (enquanto não vier outro).

Entre as bandas que referes estão algumas que chegaram a preocupar a minha mãe, tal a frequência com passavam no meu quarto. A saber: Doors, Censurados, Pearl Jam e Nirvana. A estes junto os Sitiados, os GNR, os Peste e Sida, os Pixies, os Clash, o Nick Cave, os Stone Roses e os Sonic Youth. Um pouco mais tarde, surgiram (na minha vida) os Radiohead, os Mão Morta, a PJ Harvey e tanta mais coisa que muito me ajudou a fritar a moleirinha.

Tenho saudades, foda-se.

Ps: o meu reles orgulho infanto-juvenil foi ter sido o primeiro palhaço a usar uns sapatões doc martens na escola de Azeitão. Havia um preto que mos queria roubar. Dizia que eram muito "Acid".

raviolli_ninja disse...

Lembro-me perfeitamente de irmos no carro do Páscoa, aflitíssimo da vida em 3ª a fundo a tentar subir o Alto das Necessidades. Foi aí mesmo que passei a gostar de PJ Harvey. Comuniquei-vos isso mesmo e foi uma festa. Finalmente era um de vós.

papousse disse...

Até as lágrimas me sobem testa acima só de recordar esse fantástico momento tão nossa senhora de fátima.

o homem do estupefacto amarelo disse...

Também para mim, "music is my radar". Cresci a ouvir música com o Bastard, eu a devorar os discos dele, ele a devorar os meus, numa sintonia de gosto quase total (das poucas excepções estava no desprezo do Bastard pelo grandes Jesus & Mary Chain)."When music is your special friend", consegui prevenir que adolescência tímida e quase problemática não tivesse culminado num salto de um segundo andar de um apartamento em Carcavelos, ainda para mais meramente causadora de umas míseras costelas partidas.