sábado, 9 de janeiro de 2010

A história do beco



Na posta anterior, o nosso amigo bastardo dissecou muito bem o beco orçamental em que nos encontramos hoje. Mas o beco tem uma história (política e económica) que vale a pena contar. Entre a 2ª Gerra Mundial e os anos 70, dominou no mundo capitalista uma política económica de forte regulação do mercado através do Estado. Resultado: 30 anos gloriosos de crescimento económico, estabilidade económica, diminuição das desigualdades e um forte compromisso entre o Capital e o Trabalho. No início dos anos 80, quando o bloco soviético estava já à beira de se desmoronar, deixou de haver o medo do papão do comunismo, pelo que já não existia qualquer necessidade de compromisso entre o Capital e o Trabalho. O Capital podia mostrar outra vez as suas garras. O Trabalho que se fodesse. O liberalismo estava de volta. Os testas de ferro foram o Reagan e a Thatcher. Os verdadeiros actores foram os grande lobbys financeiros e económicos, sequiosos de aumentar novamente as suas ávidas margens de lucro, transferindo de novo os custos para os trabalhadores. E assim Reagan proclamou: o Estado não é a solução, o Estado é o problema". Tratou-se então de desmantelar o Estado Social e Regulador (mas não o Estado Militar, como é evidente), em nome do mito de que o mercado entregue a si próprio se auto-regula através da mão invisível do próprio mercado. Mas acontece, como já alguém o disse, que há uma boa razão para essa mão ser invisível: é que ela não existe. Resultado: nas últimas três décadas houve menor crescimento económico, maior desigualdade e sobretudo maior instabilidade financeira e económica, traduzida numa maior frequência e intensidade das crises intrínsecas do capitalismo, que atingiu o seu expoente máximo com a recente crise do subprime, que rapidamente se transformou na maior crise financeira e económica desde 1929. E, como sempre acontece, os capitalistas que são tão liberais em períodos de crescimento económico (não deixando o Estado e os cidadãos meter a pata nos seus lucros privados), depois da bolha especulativa rebentar tornam-se todos perigosos socialistas, defendendo a socialização dos prejuízos através da injecçao massiva de dinheiro dos contribuintes. E é neste contexto que surge a actual crise orçamental. Face a uma crise financeira e económica brutal (provocada pelo triunfo da direita liberal e do seu fundamentalismo de mercado que contaminou os próprios partidos sociais democratas pelo mundo fora, como é bem patante com o nosso PS, que deverá assumir a sua quota de responsabilidade nesta crise, pela sua viragem ideológica rumo ao social-liberalismo, porque a culpa não pode morrer solteira), não resta outra alternativa aos Estados senão combater a crise de procura privada com estímulos públicos. Porque os riscos económicos do Estado não fazer nada (mantendo a ortodoxia da consolidação orçamental) são muito superiores aos riscos económicos do Estado intervir de forma contra-cíclica, suprindo a diminuição da procura privada através do aumento do défice e da dívida pública. E o que é extremamente irónico é que as mesmas agências de rating (privadas) que agora se apressam a foder à grande as classificações dos Estados (inclusive o nosso) quanto ao risco de incumprimento com o pagamento aos credores externos (fazendo aumentar os juros do endividamento externo e, portanto, gerando um aumento exponencial da dívida pública), foram as mesmas que irresponsavelmente deram classificações máximas aos grandes bancos e empresas americanas (seus abastados clientes, que lhes pagavam o serviço de notação do risco, gerando evidentes conflitos de interesse) que, com as suas práticas de gestão opacas, gananciosas e repletas de risco sistémico, arrastaram em dominó todo o mundo globalizado para esta crise filha da puta.

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